Art. 311 do Código Penal, de acordo com a Lei 14562/23. Saiba o que mudou!

Olá megeanos(as)!

Preservando o compromisso de atualização constante de nossas obras e materiais, procedimento importante para que o(a) leitor (a) esteja sempre com o material em dia com as alterações legislativas e jurisprudenciais, informo que o presente material, produzido em razão da publicação em 27 de abril de 2023, da Lei 14.562/23, foi encaminhado, nesta data, para a Editora Juspodivm para disponibilização na plataforma do consumidor.

Será, igualmente, encaminhado para nossos alunos do Curso Mege, pela área do aluno, em razão do idêntico compromisso de atualização dos materiais de forma célere. E para vocês, que me acompanham diariamente, uma pequena pílula do conteúdo do nosso Direito Penal, Parte Especial, que já conta com diversas atualizações no site da editora.

Forte abraço, fiquem com Deus e bons estudos!

Prof. Fernando Abreu.

1. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO – ART. 311 DO CP

Adulteração de sinal identificador de veículo

Art. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas com- binações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente:

Pena: reclusão, de três a seis anos, e multa.

§ 1º – Se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço.

§ 2º Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo:

    1. o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial;
    2. – aquele que adquire, recebe, transporta, oculta, mantém em depósito, fabrica, fornece, a título oneroso ou gratuito, possui ou guarda maquinismo, aparelho, instrumento ou objeto especialmente destinado à falsificação e/ou adulteração de que trata o caput deste artigo; ou
    3. – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado. 3º Praticar as condutas de que tratam os incisos II ou III do §2º deste artigo no exercício de atividade comercial ou industrial:

§ 3º Praticar as condutas de que tratam os incisos II ou III do §2º deste artigo no exercício de atividade comercial ou industrial:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 4º Equipara-se a atividade comercial, para efeito do disposto no §3º deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive aquele exercido em residência.”

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1.1. Introdução

O crime de adulteração de sinal identificador de veículo tutela a fé pública, especialmente no que concerne à propriedade e segurança dos registros de veículos automotores, sendo caracterizado como crime comum. O dispositivo foi alterado pela Lei 14.562/23 com o escopo de criminalizar a conduta de quem adultera sinal identificador de veículo não caracterizado como automotor, incluindo também novas figuras equiparadas.

 

1.2. Sujeitos do crime

O crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor é comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa. O sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o particular vítima direta do delito.

 

1.3. Estrutura do tipo penal

Redação AnteriorRedação Atual
Adulteração de sinal identificador de veículo automotorArt. 311 – Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento:

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.

Adulteração de sinal identificador de veículoArt. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente:

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.

*em negrito, as diferenças

A estrutura do crime de adulteração de sinal identificador de veículo, previsto no art. 311 do CP, é formada pelos verbos nucleares adulterar, remarcar ou suprimir; pelas elementares objetivas número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação ou qualquer sinal identificador; bem como de seus de seus componentes ou equipamentos; e pelas elementares normativas de veículo automotor, elétrico, híbrido de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, sem autorização do órgão competente.

  • Verbos Nucleares:
    • adulterar;
    • remarcar;
    • suprimir.
  • Elementares objetivas
    • número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação ou qualquer sinal identificador;
    • bem como de seus de seus componentes ou equipamentos.
  • Elementares normativas
    • veículo automotor, elétrico, híbrido de reboque, de semirreboque ou de suas combinações;
    • sem autorização do órgão competente.
  • Elementares subjetivas, especial fim de agir e elementos volitivos
    • dolo

A estrutura, todavia, não se resume aos elementos revelados pela leitura literal, pois também traz a estrutura basilar finalista, composta na sua integralidade pela conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade.

Adulterar significa alterar, modificar; remarcar é marcar novamente o sinal identificador; e suprimir e remover, retirar. Ocorre o crime, portanto, quando o agente adultera o chassi do veículo colocando nova marca sobre a anterior, quando substitui as placas verdadeiras por falsas, substitui os códigos internos do motor por outros e etc.

A nova redação legal, conferida pela Lei 14.562/23, corrigiu a omissão atinente à conduta suprimir, afastando a crítica doutrinária existente quanto à questão, que sufragava a compreensão de que a infundada omissão típica quanto ao verbo suprimir impedia a realização do tipo penal na conduta do agente que raspava o chassi do veículo sem remarcar novo número, em razão da impossibilidade de aplicação da analogia in malam partem. Não era esse, contudo, nosso entendimento e a posição do STJ, mesmo antes da alteração legal:

Conforme orientação desta Corte Superior, a conduta de “suprimir” sinal identificador está abrangida pelo verbo “adulterar” da figura típica do art. 311 do CP, cuja redação assim dispõe: “adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento” (Cf., por todos, AgRg no REsp 1.509.382/SC, minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 14/2/2017, DJe 17/2/2017). HC 480670/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 02.03.2020.

O conceito de veículo automotor foi trazido pelo Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro (CTB): “todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico)”.

Os conceitos de reboque e semirreboque estão igualmente contidos no Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro: reboque – veículo destinado a ser engatado atrás de um veículo automotor; semirreboque – veículo de um ou mais eixos que se apoia na sua unidade tratora ou é a ela ligado por meio de articulação.

O CTB não trouxe a definição de veículos elétricos ou híbridos, não obstante se referir a veículos elétricos em algumas oportunidades (art. 96, b, 120, 130, 140, 141, 155 e anexo 1). Veículo elétrico é o termo genérico utilizado com frequência para identificar veículos elétricos puros, isto é, veículos com propulsão elétrica dedicada, cuja fonte energética provém da eletricidade, armazenada em uma bateria interna.

Por outro lado, os veículos híbridos podem ser classificados como HEVs (Veículo elétrico híbrido) e VEHPs (Veículo elétrico híbrido plugin). Os veículos elétricos híbridos são veículos que apresentam em paralelo um motor elétrico, cuja energia é suprida por uma bateria e um motor à combustão convencional, abastecido por combustíveis líquidos ou gasosos (fósseis ou renováveis), ao passo que os veículos elétricos híbridos plugin são aqueles com a combinação de motor a combustão interna e motor elétrico para tração, permitindo a condução elétrica pura ou alcance estendido de uma combinação do motor a gasolina e motor elétrico1.

Em razão da existência de definições legais veículo automotor, reboque e semirreboque, complementos do tipo penal em branco, neste particular, e a consequente necessidade, no caso de veículos elétricos e híbridos, de interpretação técnica, compreendemos as elementares como normativas, nada obstante serem conceitos usualmente empregados, de forma que não nos parece haver qualquer prejuízo em sua compreensão como elementares de cunho objetivo.

Por sua vez, de cunho objetivo, número de chassi é o documento de identidade de um automóvel composto por 17 caracteres, números e letras que não se repetem. A sequência alfanumérica é oficialmente chamada de número de identificação do veículo (VIN) e traz informações sobre o modelo, ano de fabricação e origem do automóvel; monobloco significa aquilo que é feito de uma única peça, como o chassi; motor é o dispositivo ou mecanismo que produz força para acionar máquinas ou engenhos afins; placa de identificação é o sinal identificador do veículo que contém informações que remetem ao registro do veículo; ou qualquer sinal identificador de veículo é a fórmula aberta de cunho interpretativo analógico utilizado pelo legislador para abranger outros eventuais sinais de identificação passíveis de adoção.

A nova redação do dispositivo inovou ao prever a elementar normativa “sem autorização do órgão competente”, inexistente na redação anterior. A previsão soluciona o problema anteriormente existente, que concebia como formalmente típica uma conduta permitida pelas Resoluções 282/08 e 968/22 do CONTRAN. Antes da alteração, todavia, a questão era facilmente solucionada pela aplicação da teoria da tipicidade conglobante, haja vista a inexistência de antinormatividade na conduta daquele que, em cumprimento à norma, promovia a alteração ou remarcação de sinal identificador de veículo automotor nos casos permitidos.

Com a alteração legal, havendo autorização do órgão competente, haverá a exclusão da tipicidade delitiva. A expressão “sem autorização do órgão competente” não se revela, para nós, como norma penal em branco, porquanto a tipicidade se conforma com a realização das condutas nucleares, apesar de poder ser afastada diante da excludente normativa. Não fosse assim, criar-se-ia, para fins de imputação, a necessidade de demonstração da inexistência de autorização.

A nova redação típica foi omissa quanto ao verbo ocultar, não obstante ter expressamente consignado a conduta nuclear de “suprimir”, trazendo à lume, para nós, a necessidade de se rediscutir a conduta daquele que cobre a placa do veículo para evitar multas ou o pagamento de pedágio. O STF, antes da alteração legislativa, entendia que a conduta não trazia justa para a ação penal, gerando atipicidade penal2.

Não obstante, parece-nos que a conduta de ocultar pode, perfeitamente, ser encampada pelo verbo suprimir, haja vista que a supressão pode se materializar de forma temporária. Ao contrário das condutas originalmente previstas no tipo penal, adulterar e remarcar, que parcela da doutrina pressupunha a definitividade, a supressão admite a feição temporária, motivo pelo qual, desde a entrada em vigor da nova redação, entendemos como típica a cobertura da placa veicular, quando inexistente outra identificação.

De igual modo, compreendemos como típica a conduta de retirar ambas as placas, dianteira e traseira, em observância ao art. 115, §1º do CTB3, salvo se veículos de duas ou três rodas, nos quais há dispensa da placa dianteira (§6º). Isso porque a retirada de todos os sinais identificadores, relacionados à tal sinal identificador, suprime, por completo, a possibilidade de identificação regular do veículo. Na hipótese, de fato, o agente dá vazão à conduta nuclear suprimir em sua plenitude, deixando o veículo descaracterizado quanto à identificação.

Não compreendemos, contudo, como típica a conduta do agente que retira uma das placas do veículo, infração administrativa, no caso de condução, prevista no art. 230, IV, CTB, haja vista que o comportamento, a despeito de infrativo, não realiza na íntegra a conduta nuclear suprimir, que pressupõe a impossibilidade de identificação, afastada, in casu, pela existência de uma das placas.

Tal conclusão decorre não somente da redação típica, mas do caráter subsidiário e de ultima ratio do Direito Penal, que somente deve ser chamado a intervir quando os demais ramos do Direito não se revelarem suficientes.

A doutrina igualmente divergia no tocante à utilização de fitas adesivas nas placas dos veículos para alteração dos números. A primeira corrente, sufragada pelo STF, aduzia que a conduta seria delituosa, porquanto haveria violação dos sinais externos dos veículos destinados à identificação:

A conduta de adulterar a placa de veículo automotor mediante a colocação de fita adesiva é típica, nos termos do art. 311 do CP (“Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa”). Com base nessa orientação, a 2.ª Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus. O recorrente reiterava alegação de falsidade grosseira, percebida a olho nu, ocorrida apenas na placa traseira, e reafirmava que a adulteração visaria a burlar o rodízio de carros existente na municipalidade, a constituir mera irregularidade administrativa. O Colegiado pontuou que o bem jurídico protegido pela norma penal teria sido atingido. Destacou-se que o tipo penal não exigiria elemento subjetivo especial ou alguma intenção específica. Asseverou-se que a conduta do paciente objetivara frustrar a fiscalização, ou seja, os meios legítimos de controle do trânsito. Concluiu-se que as placas automotivas seriam consideradas sinais identificadores externos do veículo, também obrigatórios conforme o art. 115 do Código de Trânsito Brasileiro. RHC 116371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 13.08.2013.

A segunda corrente, por sua vez, entendia que a adulteração ou remarcação do sinal identificador deveria ser permanente, não configurando o delito a alteração temporária e perceptível por qualquer pessoa. O STJ possui decisão nesse sentido:

Nesta instância especial, entendeu-se que, no caso, efetivamente, houve a colocação de fita adesiva ou isolante para alterar letra ou número da placa de identificação do veículo, o que é perceptível a olho nu. Em sendo assim, o meio empregado para a adulteração não se presta à ocultação de veículo, objeto de crime contra o patrimônio. Observou-se que qualquer cidadão, por mais incauto que seja, tem condições de identificar a falsidade, que, de tão grosseira, a ninguém pode iludir. Em suma, a fraude é risível, grotesca. Logo, a fé pública não é sequer atingida. Ressaltou-se que a punição de mera infração administrativa com a sanção criminal prevista no tipo descrito no art. 311 da lei subjetiva penal desafia a razoabilidade e proporcionalidade, porquanto a fé pública permaneceu incólume e, à mingua de lesão ao bem jurídico tutelado, a conduta praticada pelo recorrido é atípica. REsp 503.960/SP, rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJSP), 6ª Turma, j. 16.03.2010.

Não obstante, prevalecia, também no STJ, o entendimento de que a conduta de utilizar fita isolante para modificar os sinais externos dos veículos seria apta a caracterizar o crime do art. 311 do CP:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. USO DE FITA ISOLANTE PARA ADULTERAR A PLACA DE VEÍCULO. DELITO DO ART. 311 DO CÓDIGO PENAL. FOTOGRAFIAS COMPROVANDO A CONTRAFAÇÃO. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA. 1. A legislação de trânsito (art. 115 do CTB, complementado pela Resolução n. 45 do CONTRAN) prevê que o veículo será identificado externamente por meio de placas dianteira e traseira, obedecidas as especificações e modelos estabelecidos pelo Contran. 2. As placas constituem sinal identificador de qualquer veículo e a conduta realizada pelo agravante, que, com o uso de fita isolante, modificou o seu número, configura sim o delito tipificado no art. 311 do Código Penal. 3. Conforme mencionado pelo Tribunal de origem, as fotografias constantes do processo são claras e comprovam a contrafação. 4. O tipo constante do art. 311 do Código Penal visa resguardar a autenticidade dos sinais identificadores de veículos automotores, tutelando a fé pública e o poder de polícia do Estado, não exigindo que a conduta do agente seja dirigida a uma finalidade específica, tornando, também, desnecessária a produção de prova pericial, se no processo ficar clara a adulteração, o que ocorreu. 5. Agravo regimental desprovido.

De fato, com a inclusão da conduta nuclear suprimir, parece-nos superada a divergência, haja vista que a colocação de fita isolante suprime ao menos um dos sinais identificadores, sendo a conduta perfeitamente típica.

Vale destacar que a substituição das placas originais pelas chamadas “placas frias”, fornecidas pelo Detran para investigações, não configura o delito. Em julgado da 2ª Turma, o STF entendeu que mesmo o uso indevido dessas não caracteriza o crime:

Por atipicidade da conduta, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada contra magistrado, denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 311, § 1.º, do CP. No caso, o acusado recebera do Detran um par de placas reservadas à Polícia Federal, em razão de requisição feita por outro magistrado, também denunciado, cuja finalidade consistiria em viabilizar investigações de caráter sigiloso. Posteriormente, apurara-se que referidas placas teriam sido utilizadas para outro fim, tendo substituído placas originais de veículos particulares. Entendeu-se que a substituição de placas particulares por outras fornecidas pelo Detran não pode configurar qualquer adulteração ou falsificação, já que esse órgão sempre tem a possibilidade de verificar a existência da placa reservada, a sua origem e a razão de sua utilização, perante as autoridades públicas ou quem mais tivesse interesse no assunto. Considerou-se que, para a configuração do crime, é imprescindível que a substituição da placa se faça por outra placa, falsa. Ressaltou-se, por fim, que a prática dos citados atos pode consistir em irregularidade administrativa, passível de responsabilização nessa esfera. HC 86.424/SP, rel. originária Min. Ellen Gracie, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 11.10.2005.

No que concerne à mera troca de placas de um veículo por outras, pertencentes a outro veículo, o STJ compreende por configurado o delito, entendimento que, em nossa perspectiva, não deve sofrer alterações com a nova redação típica:

“Substituição de placa de veículo automotor. Artigo 311 do Código Penal. Tipicidade. É típica a conduta de substituir as placas originais de veículo automotor por Precedentes”. HC 285208/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 19/08/2014.

No que toca à conduta, a figura típica pode ser praticada por ação ou omissão, sendo a última na hipótese do agente que tem o dever jurídico de impedir o resultado e se omite quanto ao seu dever jurídico ao presenciar, por exemplo, a adulteração do sinal identificador, sem adotar as providências legalmente impostas. O crime pode ser praticado sob a modalidade dolo direto e eventual. O tipo penal não prevê a forma culposa e não exige o especial fim de agir.

O crime de adulteração de sinal identificador de veículo é concebido pela doutrina majoritária como crime formal, de resultado cortado ou consumação antecipada, exigindo-se a tão somente a produção do resultado normativo.

A solução do nexo de causalidade pela teoria da imputação objetiva não diverge da doutrina tradicional. O agente que adultera número de chassi de veículo automotor cria um risco juridicamente desaprovado para o bem jurídico fé pública. Por sua vez, o risco criado com a violação da norma materializa-se no resultado exposição a perigo, sendo certo que esse se encontra dentro do alcance do tipo.

Por fim, a estrutura do tipo penal completa-se com a tipicidade, expressamente consignada no art. 311 do Código Penal.

 

1.4. Consumação e tentativa

O crime de adulteração de sinal identificador de veículo, previsto no caput do art. 311 do CP, é concebido como crime formal, não exigindo a produção do resultado naturalístico.

Assim, consuma-se o delito quando o agente adultera, remarca ou suprime número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente, sendo irrelevan- te que venha a enganar ou prejudicar alguém ou obter lucro.

A tentativa é admissível, vez que é possível o fracionamento do iter criminis.

 

1.5. Majorante

O §1º do art. 311 prevê que “se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço”.

Pune-se mais severamente, nesse particular, a conduta do funcionário público que, no exercício de função pública, pratica o delito.

 

1.6. Figuras equiparadas

O §2º do art. 311, CP, alterado pela Lei 14.562/23, assinala que:

§2º Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo:

I. o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial : o §2º do art. 311 sofreu o acréscimo de incisos, estando sua redação original contemplada pelo inciso I. Parte da doutrina sustenta que a figura equiparada prevê, de forma autônoma, como crime a conduta do funcionário público que participa, materialmente, do delito previsto no art. 311, caput, do Código Penal. Assim, contudo, não entendemos.

O §2º, inc. I, do art. 311 do CP, na realidade, é crime acessório, de fusão ou parasitário, pois pressupõe a realização do comportamento típico do art. 311, caput, do CP. Ao observarmos as elementares típicas, extraímos a conduta do funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, isto é, pressupõe que a conduta já tenha sido realizada.

A atuação do funcionário público, portanto, para fins de caracterização da figura autônoma, caminha no sentido de um favorecimento real especializado, vez que fornece indevidamente material ou informação oficial para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado. Logo não há como se conceber como válida a participação posterior em crime já consumado.

II. aquele que adquire, recebe, transporta, oculta, mantém em depósito, fabrica, fornece, a título oneroso ou gratuito, possui ou guarda maquinismo, aparelho, instrumento ou objeto especialmente destinado à falsificação e/ou adulteração de que trata o caput deste artigo: adquirir significa obter a propriedade, seja a título oneroso (compra, permuta) ou gratuito (doação); receber significa passar a ter a posse do bem, ainda que de forma provisória; transportar significa levar de um lugar para outro, modificar a posição da localização; ocultar significa esconder; manter em depósito é preservar em local seguro; fabricar é produzir, criar; fornecer é entregar, dar a título gratuito ou oneroso; possuir é ser detentor da posse, estar em poder do bem, não se exigindo a propriedade; guardar, por sua vez, significa colocar em local oculto aos olhos do Estado.

Os verbos nucleares da previsão devem se referir a maquinismo, aparelho, instrumento ou objeto especialmente destinado à falsificação e/ou adulteração de que trata o caput do art. 311. A previsão assemelha-se ao conteúdo dos crimes de petrechos para falsificação de moedas (art. 291, CP) e petrechos de falsificação (art. 294, CP), adaptando-os, de forma autônoma, para falsificação ou adulteração de sinais identificadores dos veículos listados no caput do art. 311, CP.

Assim, a figura equiparada assume a postura de crime formal, de resultado cortado ou consumação antecipada, exigindo-se tão somente a produção do resultado normativo, por se tratar de crime de perigo. A figura equiparada revela-se como crime obstáculo, pois pune a fase de preparação para a prática do crime previsto do art. 311 do Código Penal, antecipando a intervenção do Direito Penal ante ao risco inerente à conduta. E, por tal razão, não concebemos como possível a figura tentada, não obstante a possibilidade fracionamento das condutas, pois revelaria a punição pela tentativa de praticar um ato preparatório de outro delito, isto é, uma “antecipação da antecipação do Direito Penal”.

III. aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado: os verbos nucleares são adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, manter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar. Mera análise comparativa com o crime de receptação qualificada, previsto no 180, §1º do CP, nos evidencia que, na realidade, por utilizar os mesmos verbos nucleares4, a figura prevista no inciso III do §2º do art. 311 do CP em muito se assemelha a uma forma especial de receptação, porquanto, à par de não fazer expressa menção à “coisa que sabe ser produto de crime”, elementar típica do crime de receptação, expressamente contém elementares que remetem ao crime previsto no caput do art. 311, CP.

Apesar de tratado como crime contra a fé pública, e passível de compreensão nesse sentido, não deixa a nova previsão de tutelar o patrimônio, pois a adulteração ou remarcação de sinais identificadores compromete a localização do bem.

Das condutas nucleares, duas merecem maior atenção: conduz e de qualquer forma utiliza. Conduzir representa o ato de dirigir um veículo, in casu, “veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado”.

A figura equiparada não previu a hipótese de sinal identificador suprimido, contemplada pelo caput, restringindo-se à adulteração e remarcação. Diante de tal fato, há que se indagar: diante da nova redação legal, conduzir um veículo sem placas, sem autorização do órgão competente, caracteriza infração penal?

A resposta passa por alguns questionamentos. Em nossa compreensão, não caracteriza do crime previsto no art. 311, §2º, III, mas é apta a revelar indicadores externos da prática do crime previsto no caput, na modalidade suprimir, de sorte que a condução seria tão somente um pós factum impunível, consequência natural da supressão dos sinais identificadores. Isso por- que a condução de veículo com as placas suprimidas, apesar da previsão do verbo nuclear conduz no inciso III, não se amolda à elementar “que devesse saber estar adulterado ou remarcado”. Não obstante, a depender do caso concreto, não se provando a supressão por parte do agente, a conduta pode se amoldar ao crime de receptação (art. 180, CP), caso o veículo seja produto de crime.

Da mesma forma, conforme destacamos anteriormente, não compreendemos como típica a conduta do agente que retira uma das placas do veículo, haja vista que o comportamento, a despeito de infrativo sob a perspectiva administrativa, não realiza na íntegra a conduta nuclear suprimir, que pressupõe a impossibilidade de identificação, afastada, in casu, pela existência de uma das placas.

A expressão de qualquer forma utiliza, por sua vez, traz à lume a possibilidade de aplicação da interpretação analógica para contemplar situações não previstas expressamente no tipo penal, mas que podem revelar a tipicidade, a exemplo da utilização do bem como garantia de uma dívida.

A figura equiparada ainda nos traz outro problema, relacionado à elementar devesse saber estar adulterado ou remarcado. No âmbito do crime de receptação qualificada (art. 180, §1º, CP), a doutrina e a jurisprudência divergem quanto à natureza da expressão coisa que deve saber ser produto de crime. Parcela minoritária da doutrina sustenta que a expressão apenas contempla a modalidade eventual, ao passo que a maioria dos doutrinadores aduz que o sabe está contido no deve saber, admitindo o dolo direto e o eventual.

Uma terceira corrente sustenta que a expressão deve saber é elemento normativo do tipo e, portanto, visa apenas estabelecer a graduação do injusto. O STF, não obstante a existência de entendimento divergente, tem se posicionado de forma majoritária pela compreensão de que o termo sabe está contido no deve saber, no sentido do julgado abaixo:

“Direito penal. Recurso extraordinário. Alegação de inconstitucionalidade. Art. 180, 1°, CP. Princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Dolo direto e eventual. Métodos e critérios de interpretação. Constitucionalidade da norma penal. Improvimento.

1.A questão de direito de que trata o recurso extraordinário diz respeito à alegada inconstitucionalidade do art. 180, §1°, do Código Penal, relativamente ao seu preceito secundário (pena de reclusão de 3 a 8 anos), por suposta violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena. 2. Trata-se de aparente contradição que é resolvida pelos critérios e métodos de interpretação jurídica. 3. Não há dúvida acerca do objetivo da criação da figura típica da receptação qualificada que, inclusive, é crime próprio relacionado à pessoa do comerciante ou do industrial. A ideia é exatamente a de apenar mais severamente aquele que, em razão do exercício de sua atividade comercial ou industrial, pratica alguma das condutas descritas no referido § 1°, valendo-se de sua maior facilidade para tanto devido à infraestrutura que lhe favorece. 4. A lei expressamente pretendeu também punir o agente que, ao praticar qualquer uma das ações típicas contempladas no § 1 °, do art. 180, agiu com dolo eventual, mas tal medida não exclui, por óbvio, as hipóteses em que o agente agiu com dolo direto (e não apenas eventual). Trata-se de crime de receptação qualificada pela condição do agente que, por sua atividade profissional, deve ser mais severamente punido com base na maior reprovabilidade de sua conduta. 5. Não há proibição de, com base nos critérios e métodos interpretativos, ser alcançada a conclusão acerca da presença do elemento subjetivo representado pelo dolo direto no tipo do § 1 °, do art. 180, do Código Penal, não havendo violação ao princípio da reserva absoluta de lei com a conclusão acima referida. 6. Inocorrência de violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena. Cuida-se de opção político-legislativa na apenação com maior severidade aos sujeitos ativos das condutas elencadas na norma penal incriminadora e, consequentemente, falece competência ao Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pelo Poder Legislativo na edição da referida norma. 7. Recurso extraordinário improvido” (RE 443388/SP).

Assim como BITENCOURT5 (2018, p. 337-328), entendemos que distinção não guarda mais pertinência, vez que os termos “sabe” e “deve saber” tinham por fundamento a análise da consciência da ilicitude como elemento do dolo, de matriz causalista, de forma que as expressões não seriam espécies de dolo, mas tão somente elementos normativos do tipo que serviriam de alicerce para uma maior ou menor graduação da censura penal.

Nessa esteira, compreendemos que o termo “sabe” e a expressão “deve saber” são elementos normativos do tipo e não representam, necessariamente, dolo direto ou eventual.

De igual modo, a expressão devesse saber, prevista no inciso III do §2º do art. 311 do CP, trilha a mesma linha de conclusão, pois não revela qualquer espécie de estado anímico subjetivo distintivo entre dolo eventual ou direto. Ao contrário, sob o prisma da lógica do conhecimento, normativamente nos remete ao parâmetro do homem médio na tipicidade e permite, na esfera da culpabilidade, segundo a teoria a ser adotada (duplo escalão, capacidades individuais ou mista), a análise acerca das condições pessoais do agente. Avalia-se, portanto, na esfera do tipo penal, sob a luz do homem médio e de acordo com as circunstâncias do caso, se o agente devia conhecer a adulteração ou remarcação.

 

1.7. Figura qualificada

A forma legal revela um tipo próprio remetido, revelador de norma penal em branco homogênea homovitelina, pois expressamente prevê um verbo nuclear, praticar. Em termos objetivos, o §3º atrai toda a carga normativa dos incisos II e III do §2º para seu contexto e transforma os comportamentos previstos em próprios pela natureza da conduta, isto é, o delito só pode ser praticado por quem se encontra no exercício de atividade comercial ou industrial.

O §4º dispõe que se equipara à atividade comercial, para efeito do disposto no § 3º, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive aquele exercido em residência. Em essência, os §§3º e 4º visam coibir o comércio de veículos adulterados ou com sinais remarcados.

 

1.8. Ação penal

A ação penal no crime de adulteração de sinal de veículo, segundo a regra geral do art. 100 do Código Penal, é pública incondicionada.

 

1.9. Você não pode deixar de saber – peculiaridades de provas

Se o agente recebe o veículo, conhecendo a circunstância de ser produto de crime e, posteriormente, adultera os sinais identificadores, responderá, em concurso, pelo delito de receptação e adulteração de sinal de veículo, por atingirem bens jurídicos distintos.

 

1.10. Caso sob a luz da teoria da imputação objetiva

Vejamos um caso com solução pela teoria da imputação objetiva:

a) agente que adultera número de chassi de veículo automotor: a conduta cria um risco juridicamente desaprovado para o bem jurídico fé pública. Por sua vez, o risco criado com a violação da norma materializa-se no resultado exposição a perigo concreto, sendo certo que esse se encontra dentro do alcance do tipo.

 

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47 comentários em “Art. 311 do Código Penal, de acordo com a Lei 14562/23. Saiba o que mudou!”

  1. Condutor que conduz motocicleta com a placa totalmente levantada, sem condições alguma de legibilidade, comete o crime do Art 311?

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  2. A conduta de conduzir moto vendida como sucata (casos em que a numeração do chassi e remoção da placa é realizada peli Detran – chamada de bruxa), configura o inciso II do §2º do art. 311?

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