Clube do MP 2023.2: material demonstrativo sobre Ação Popular

Olá megeanos(as)!

O clube do MP 2023.2 está chegando! Portanto, resolvemos disponibilizar um material demonstrativo de Direitos Difusos, especificamente sobre Ação Popular constante no material do curso. Optamos por trazer a análise doutrinária dos principais diplomas normativos que compõem o microssistema de processo coletivo. É de conhecimento geral que existem outras normas diversas sobre o tema, que total ou parcialmente (a maioria parcialmente) tangenciam os direitos difusos e coletivos.

Bons estudos!

 

1. A LEI DE AÇÃO POPULAR

A Ação Popular tem previsão constitucional no art. 5º, LXXIII, da CF/88:

LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

A doutrina classifica a Ação Popular como uma espécie de ação coletiva que, como tal, integra o microssistema de processo coletivo. A Ação Popular foi a primeira a ter regramento próprio com a Lei n. 4.717/65 (LAP – Lei de Ação Popular).

 

1.1 DIREITOS E INTERESSES TUTELADOS

O objeto possível da Ação Popular é mais restrito do que o da Ação Civil Pública. Os direitos e interesses tuteláveis por esse tipo de ação estão previstos no art. 1º da LAP, quais sejam:

  • patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios (entes da Administração Pública direta);
  • patrimônio das entidades autárquicas, das sociedades de economia mista, das empresas públicas (entidades da Administração Pública indireta);
  • patrimônio de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes;
  • patrimônio de serviços sociais autônomos;
  • patrimônio de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita ânua;
  • patrimônio de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do DF, dos Estados e dos Municípios;
  • quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

Algumas observações iniciais são importantes para se entender a dimensão do que se pretende tutelar com a Ação Popular.

Sempre que se envolver patrimônio público em alguma medida há a preocupação sobre a sua utilização e destinação. Assim é que são tuteláveis não somente os patrimônios das entidades da Administração Pública direta e indireta, mas sempre que se visualizar contribuição ou subvenção de patrimônio público, como se vê das sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, das pessoas jurídicas ou entidades que sejam subvencionadas pelos cofres públicos.

Até mesmo há previsão da tutela do patrimônio de instituições ou fundações criadas ou custeadas em mais de 50% pelo tesouro público. Por outro lado, mesmo aquelas para as quais o tesouro público tenha contribuindo com menos de 50% podem ensejar uma ação popular, na medida da repercussão sobre a contribuição dos cofres públicos. É o que preceitua o par. 2º do art. 1º da LAP:

Art. 1º.

Par. 2º. Em se tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou custeio o tesouro público concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, bem como de pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as consequências patrimoniais da invalidez dos atos lesivos terão por limite a repercussão deles sobre a contribuição dos cofres públicos.

Quanto ao patrimônio público cuja lesão permite o manejo de Ação Popular, o seu significado não é apenas econômico, no sentido de erário, abrangendo (par. 1º do art. 1º da LAP):

  • bens e direitos de valor econômico;
  • bens e direitos de valor artístico;
  • bens e direitos de valor histórico;
  • bens e direitos de valor turístico.

 

1.2 QUANDO É CABÍVEL A AÇÃO POPULAR (CAUSA DE PEDIR E PEDIDO)

A Ação Popular é uma ação coletiva com sede constitucional voltada para combater um ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa ou ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

A par do ato lesivo, é preciso analisar o que a LAP entende por lesividade. O art. 2º traz a especificação dos vícios de nulidade dos atos lesivos, quais sejam:

IncompetênciaQuando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou.
Vício de formaOmissão ou observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato.
Ilegalidade do objetoQuando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo.
Inexistência dos motivosQuando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido.
Desvio de finalidadeQuando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita e implicitamente, na regra de competência.

Perceba-se que o art. 2º traz a regra dos atos que são nulos, mas é preciso que se faça uma análise concreta para se aferir se o ato determinado contém algum(ns) do(s) vício(s) ali indicados.

Já o art. 4º lista atos concretos que são considerados nulos, como verdadeira exemplificação. Para as hipóteses do art. 4º, a lesividade é presumida legalmente (lesividade inerente):

Art. 4º São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1º.

I – A admissão ao serviço público remunerado, com desobediência, quanto às condições de habilitação, das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais.

II – A operação bancária ou de crédito real, quando:

a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, estatutárias, regimentais ou internas;

b) o valor real do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior ao constante de escritura, contrato ou avaliação.

III – A empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:

a) o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma geral;

b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que comprometam o seu caráter competitivo;

c) a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na limitação das possibilidades normais de competição.

IV – As modificações ou vantagens, inclusive prorrogações que forem admitidas, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos respectivos instrumentos;

V – A compra e venda de bens móveis ou imóveis, nos casos em que não cabível concorrência pública ou administrativa, quando:

a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, ou constantes de instruções gerais;

b) o preço de compra dos bens for superior ao corrente no mercado, na época da operação;

c) o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da operação.

VI – A concessão de licença de exportação ou importação, qualquer que seja a sua modalidade, quando:

a) houver sido praticada com violação das normas legais e regulamentares ou de instruções e ordens de serviço;

b) resultar em exceção ou privilégio, em favor de exportador ou importador.

VII – A operação de redesconto quando sob qualquer aspecto, inclusive o limite de valor, desobedecer a normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais.

VIII – O empréstimo concedido pelo Banco Central da República, quando:

a) concedido com desobediência de quaisquer normas legais, regulamentares, regimentais ou constantes de instruções gerias:

b) o valor dos bens dados em garantia, na época da operação, for inferior ao da avaliação.

IX – A emissão, quando efetuada sem observância das normas constitucionais, legais e regulamentadoras que regem a espécie.

Para além dos atos nulos listados pela LAP, também há previsão dos atos anuláveis, conforme o art. 3º: “ os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado, ou das entidades mencionadas no art. 1º, cujos vícios não se compreendem nas especificações do artigo anterior, serão anuláveis, segundo as prescrições legais, enquanto compatíveis com a natureza deles”.

A doutrina (Masson e outros) entende que para que os atos previstos no art. 3º sejam tuteláveis por meio de Ação Popular precisam:

a) ser lesivos ao patrimônio das pessoas ou entidades mencionadas no art. 1º;

b) ter vícios que os tornem invalidáveis, segundo normas de direito privado de anulabilidade ou nulidade dos atos jurídicos.

Em resumo, temos os seguintes atos possíveis:

Art. 2º LAPPrevisão dos vícios que tornam os atos nulos.Necessidade de aferição da nulidade em concreto

(lesividade a ser demonstrada).

Art. 3º LAP Atos anuláveisNecessidade de aferição da anulabilidade ou nulidade em concreto
segundo as normas de direito privado.
Art. 4º LAPAtos nulosNulidade presumida por lei

(lesividade inerente)

Quanto ao pedido da Ação Popular, tem-se que o principal é a anulação (sentença de natureza constitutiva negativa) ou a declaração de nulidade (sentença declaratória) de determinados atos lesivos ao patrimônio público, conforme art. 1º, caput, da LAP.

Mas também existem os pedidos condenatórios ao pagamento de perdas e danos, consoante art. 11:

Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando incorrem em culpa.

 

1.3 DA COMPETÊNCIA

A competência para as Ações Populares segue a mesma ordem para as ações em geral, levando-se em consideração a origem do ato impugnado. Sua previsão legal é a seguinte:

Art. 5º Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação, processá-la e julgá-la o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada Estado, o for para as causas
que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou ao Município.

§ 1º Para fins de competência, equiparam-se atos da União, do Distrito Federal, do Estado ou dos Municípios os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elassejam acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em relação às quais tenham interesse patrimonial.

§ 2º Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do Estado, se houver.

§ 3º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.

§ 4º Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado.

A competência da Justiça Federal não se dá por força de lei estadual de organização judiciária, mas pela própria Constituição da República, no seu art. 109. Para a ação popular, interessa-nos especialmente o inciso I do art. 109, que outorga à Justiça Federal a competência para as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa  pública federal sejam interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ouoponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Na prática, constatada no processo a presença da União, de entidade autárquica (aqui incluídas as fundações públicas) ou de uma empresa pública federal, na condição de rés, assistentes ou oponentes (não é possível figurarem como autoras, posição cabível apenas ao cidadão), será competente para a causa a Justiça Federal.

O QUE A LAP DIZ  COMO FICA DIANTE DA ATUAL CF
Competência para “causas da União” estaria ditada pela “organização judiciária de cada Estado” (art. 5.º, caput, da LAP).Competência da Justiça Federal é dada pelo art. 109 da CF.
O mero interesse patrimonial da União, ou o fato de a União ser acionista ou subvencionar entidade cujo ato é impugnado são determinantes para fixar a competência da Justiça Federal (art. 5º, caput e § 1º, da LAP).Os fatores apontados no quadro ao lado não são determinantes para fixar a competência da Justiça Federal: é mister que a União seja parte, assistente ou oponente e tenha interesse jurídico (art.
109, I, da CF), ou estejam presentes outras hipóteses do art. 109 da CF.
O serviço estatal descentralizado, com personalidade e orçamento independente, bem como a entidade de direito privado que tenha competência para receber e aplicar contribuições parafiscais são equiparadas a autarquias para os fins da LAP (art. 20 da LAP).A equiparação feita pelo art. 20 da LAP, embora permita a incidência da LAP para impugnar os atos lesivos à moralidade administrativa ou patrimônio de tais entidades, não as torna autarquias federais para o fim de fixar a competência da Justiça Federal determinada no art. 109 da CF.

A competência firma-se, então, pela especialidade e origem do ato impugnado. Em se originando de funcionário, órgão ou entidade ligada à União, será competente o juiz da Seção Judiciária Federal do local onde o ato foi praticado. Em se originando de funcionário, órgão ou entidade ligada ao Estado, será competente o juízo indicado na lei de organização judiciária estadual. Se municipal a origem do ato, será o juiz da comarca onde o ato foi praticado.

 

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1.4 DA LEGITIMIDADE PARA AÇÃO POPULAR

1.4.1. Da legitimidade ativa 

Qualquer cidadão pode agir como substituto processual, em face da legitimidade ativa extraordinária para a Ação Popular, já que é em nome do povo que impulsiona o mecanismo processual visando à anulação de ato lesivo aos bens passíveis desta proteção.

Prova da cidadania (art. 1º, par. 3º) – a prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral ou com documento que a ele corresponda.

Em que pese a exigência de prova acima, não é necessário que o cidadão seja eleitor no mesmo município onde ajuíza a ação popular. Então, embora a prova de cidadania seja feita prioritariamente com a apresentação do título de eleitor, não há necessidade de que haja coincidência territorial.

Para Mancuso e a doutrina dominante, a cidadania é caracterizada pelo binômio nacionalidade-direitos políticos. Considera-se, assim, que apenas os nacionais que participam politicamente podem obter o status civitates, isto é, a legitimação do cidadão é ampla, tendo direito de ingressar com a ação ainda que a lide se localize emcomarca onde ele não possua domicílio eleitoral, exigindo-lhe tão somente a
apresentação do título eleitoral ou outro documento correspondente.

Para Alexandre de Morais, “somente o cidadão, seja brasileiro nato ou naturalizado, inclusive aquele entre 16 e 18 anos, e ainda, o português equiparado, no gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação popular”.

No caso dos portugueses equiparados, devem apresentar, na propositura da ação, o certificado de equiparação e gozo dos direitos civis e políticos e título de eleitor (art. 12, par. 1º, CF).

No que pertine ao eleitor com 16 anos, a doutrina majoritária entende cabível a proposição da ação popular caso esteja emancipado para o exercício dos demais atos da vida civil.

Uma corrente postula a plena capacidade de fato do eleitor entre 16 e 18 anos, pois se este pode exercer sozinho o seu direito de voto e, sendo a ação popular uma manifestação da cidadania, ele prescindiria de assistência. Essa é a posição de Alexandre de Morais, segundo o qual “por tratar-se de um direito político, tal qual o direito de voto, não há necessidade de assistência”. Nesse mesmo sentido José Afonso da Silva e Rodolfo de Camargo Mancuso.

Outra corrente, no entanto, entende que embora a capacidade eleitoral possa ocorrer aos 16 anos, esta é distinta e autônoma da capacidade civil e processual, devendo o eleitor menor de 18 anos ser assistido ao propor a ação popular. Essa corrente é minoritária.

Súmula 365 do STF — Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor Ação Popular.

 

1.4.2 Da legitimidade passiva

A legitimidade passiva será das pessoas jurídicas de direito público ou privado e das entidades referidas no art. 1º da Lei 4.717/65, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo (art. 6º da Lei 4.717/65).

Art. 6º. A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

Par. 1º. Se não houver beneficiário direto do ato lesivo, ou se ele for indeterminado ou desconhecido, ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste artigo.

Par. 2º. No caso de que trata o inciso II, item “b”, do art. 4º, quando o valor real do bem for inferior ao da avaliação, citar-seão como réus, além das pessoas públicas ou privadas e entidades referidas no art. 1º, apenas os responsáveis pela avaliação inexata e os beneficiários da mesma.

Par. 3º. As pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

Par. 4º. O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores.

Par. 5º. É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular.

Da análise do dispositivo acima, apreende-se a existência de três categorias de possíveis legitimados passivos para a Ação Popular:

1. Pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, ou seja, os titulares do patrimônio atingido;

2. As pessoas físicas responsáveis pelo ato lesivo, seja por ação ou por omissão;

3. As pessoas físicas beneficiadas diretamente pelo ato lesivo (que nem sempre estarão necessariamente presentes, como previsto no par. 1º do art. 6º da LAP).

 

Registre-se que a lei menciona a composição do polo passivo da ação popular apenas pelos beneficiários diretos do ato, nada dispondo sobre os beneficiários indiretos, que, assim, não comporão o polo passivo.

Litisconsórcio ativo (facultativo) – o par. 5º do art. 6º da LAP prevê a facultatividade de qualquer cidadão se habilitar como litisconsorte ou assistente do autor da ação. Quanto às classificações doutrinárias de litisconsortes, prefere-se, neste material, referir-se a um litisconsórcio facultativo por ser o termo expresso na previsão
legal.

Litisconsórcio passivo e possibilidade de migração da pessoa jurídica inicialmente ré de polo procesual – uma previsão sui generis da LAP é a que confere à pessoa jurídica de direito público ou de direito privado acionada (parte ré) a possibilidade de não contestar o pedido e migrar do polo passivo para o polo ativo, passando a atuar ao lado do autor. Para que tal movimento processual seja possível, é
necessário que a Ação Popular tenha sido proposta inicialmente em face de mais de uma pessoa (litisconsórcio passivo inicial).

Alguns autores denominam essa situação de intervenção móvel da pessoa jurídica interessada ou despolarização da demanda.

 

1.5 DAS REGRAS PROCEDIMENTAIS

1.5.1 Requerimento de certidões e informações para instruir a petição inicial 

No que se refere ao tema das provas, a LAP permite ao cidadão, antes mesmo do ingresso com a ação, valer-se de requerimento de certidões e informações que julgar necessárias às entidades citadas no art. 1º, bastando indicar a sua finalidade (art. 1º, par. 4º), a fim de instruir a petição inicial. Trata-se de um corolário dos direitos constitucionais de informação e de certidão (art. 5º, XXXIII e XXXIV, b, da CF/88).

O par. 5º do mesmo dispositivo prevê um prazo de 15 (quinze) dias, a contar do requerimento respectivo, para que sejam fornecidas e estabece uma destinação vinculada dessas certidões ou informações: “só poderão ser utilizadas para a instrução de ação popular”.

A LAP só admite a negativa de atendimento aos requerimentos aqui referidos em caso de sigilo em prol do interesse público, devidamente justificado (par. 6º do art. 1º). Embora legítima a recusa em tais casos, o autor da Ação Popular poderá requerer, no bojo da inicial, que o magistrado requisite tais informações, passando o processo a correr em segredo de justiça até o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória (par. 7º do art. 1º). A requisição judicial só pode ser negada se se tratar de razão de segurança nacional.

Para além dos documentos que a parte autora venha a postular na inicial, o próprio magistrado pode requisitar outros que se lhe afigurem necessários ao esclarecimento dos fatos, fixando, em uma e outra hipótese, prazo de 15 (quinze) a 30 (trinta) dias para atendimento (art. 7º, I, b) da LAP. Esse prazo pode ser prorrogado judicialmente, por prazo razoável, caso os documentos e informações não puderem ser fornecidos no lapso temporal inicialmente assinalado (art. 7º, par. 2º).

Há, além disso, uma previsão legal que reforça um papel específico do Ministério Público como fiscal da lei, o de providenciar que as requisições aqui mencionadas sejam atendidas dentro dos prazos fixados judicialmente (art. 7º, I).

Registre-se que há previsão de um crime específico para o caso de não ser atendido no prazo o requerimento do futuro autor da ação popular ou do juiz de fornecimento de informações e certidão ou fotocópia de documento necessário à instrução da causa (art. 8º da LAP).

O sujeito a ser responsabilizado criminalmente é a autoridade, o administrador ou o dirigente da pessoa jurídica e a pena será a mesma do crime de desobediência.

Não há tipificação do crime se for demonstrada a existência de motivo justo.

 

1.5.2 Possibilidade de suspensão liminar do ato lesivo

O art. 5º, par. 4º, estabelece a possibilidade de concessão de medida liminar na Ação Popular, com a finalidade de suspender o ato lesivo impugnado, na defesa do patrimônio público.

Para além disso, como pode ser aplicado o CPC subsidiariamente (art. 22 da LAP), também se faz possível a concessão de tutelas de urgência, de natureza antecipatória ou cautelar, conforme já tratado quando da análise da Ação Civil Pública.

Das decisões liminares, cabe agravo de instrumento (art. 19, par. 1º, da LAP), que pode ser interposto, além das partes, por qualquer cidadão e também pelo Ministério Público (art. 19, par. 2º).

1.5.3. Citação e contestação

A LAP prevê uma norma peculiar no que tange à citação dos beneficiários diretos do ato impugnado:

Art. 7º.

II – quando o autor preferir, a citação dos beneficiários far-se-á por edital com prazo de 30 (trinta) dias, afixado na sede do juízo e publicado três vezes no jornal oficial do Distrito Federal, ou da
Capital do Estado ou Território em que seja ajuizada a ação. A publicação será gratuita e deverá iniciar-se no máximo 3 (três) dias após a entrega, na repartição competente, sob protocolo, de uma via autenticada do mandado.

Essa forma diferenciada de citação, porém, é prevista tão somente para os beneficiários (diretos), e desde que haja pedido do autor nesse sentido.

Outra previsão peculiar é a de que é possível, a qualquer momento no curso do processo e antes de proferida a sentença final de primeira instância, a citação de pessoa responsável ou beneficiada pelo ato impugnado (desde que o beneficiário não tenha sido citado por edital) cuja existência se torne conhecida quando já proposta a ação, sendo-lhe restituído o prazo para contestação e produção de provas (art. 7º, III).

O prazo de contestação da LAP é diferenciado e deve se sobrepor ao do CPC: 20 (vinte) dias, prorrogáveis por mais 20 (vinte). A prorrogação pode ocorrer a requerimento do interessado, se particularmente difícil a produção de prova documental. Caso haja prorrogação, porém, será comum a todos os interessados. O termo a quo do prazo para contestar é a entrega do mandado cumprido ou o decurso do prazo assinalado em edital (art. 7º, IV, da LAP).

 

1.5.4 Funções do Ministério Público na Ação Popular

A LAP prevê a atuação do Ministério Público nas ações populares, tanto como fiscal da lei, de forma geral (art. 6º, par. 4º, primeira parte), como atribuindo-lhe funções específicas:

  • Intimação obrigatória do MP, conforme art. 7º, I;
  • Poderá tomar as medidas que reputar necessárias à fiel aplicação da lei;
  • O MP, numa visão conforme à CF/88, poderá se manifestar sobre o mérito da demanda;
  • Órgão ativador da prova e auxiliar do autor popular;
  • Em sendo pertinente a prova, cabe ao MP providenciar, auxiliarmente, a sua produção.

Assim como na Ação Civil Pública, caso o autor da Ação Popular venha a desistir ou dar ensejo à “absolvição de instância”, fica assegurado a qualquer cidadão bem como ao Ministério público dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação. Ou seja, nesta hipótese, mesmo o autor originário sendo cidadão, é possível que o Parquet atue como sucessor da parte autora (art. 9º da LAP).

Como visto acima, pode igualmente interpor recursos contra decisões interlocutórias e contra a sentença (art. 19, par. 2º).

E compete-lhe, ainda, a promoção de execução, na inércia do autor (decorridos 60 dias da publicação da sentença condenatória de segunda instância), nos 30 dias seguintes, conforme art. 16 da LAP:

Art. 16. Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.

 

1.5.5 Sentença e coisa julgada

O pedido condenatório é ínsito ao pedido de invalidação do ato lesivo, em razão de se estar defendendo interesse da coletividade, havendo nítida mitigação do princípio da correlação. A doutrina considera, assim, que o art. 11 traz uma exceção a esse princípio, validando uma hipótese de julgamento extra petita.

Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.

Há submissão ao reexame necessário da sentença que tiver julgado extinto o processo, com (improcedência do pedido) ou sem resolução do mérito, conforme art. 19 da LAP. Trata-se, segundo a doutrina, de verdadeira condição de eficácia da sentença.

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

Registre-se que a sentença de procedência do pedido não está sujeita ao duplo grau, apenas admite a interposição de apelação com efeito suspensivo. Note-se aqui a particularidade importante (e contrária até mesmo ao regramento da LACP): o efeito suspensivo da apelação na Ação Popular é decorrente de lei (ope legis).

Concluindo:

  • sentença de carência da ação ou de improcedência → reexame necessário (sendo cabível também recurso de Apelação);
  • sentença de procedência → cabível apelação com efeito suspensivo.

Quanto à coisa julgada, a LAP foi pioneira ao prever sua extensão para além das partes do processo.

Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omens, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; nesse caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de prova nova.

Se a sentença for pela procedência do pedido da Ação Popular, sempre haverá coisa julgada material.

Se for pela improcedência, nem sempre, já que a ocorrência de coisa julgada nesses casos depende do fundamento da sentença: secundum eventum probationis, ou seja, dependerá de um juízo probatório robusto, de certeza. Caso a sentença de improcedência se baseie na insuficiência de provas, não haverá coisa julgada material.

 

1.5.6 Execução da sentença

A execução caberá, primeiramente:

  • Ao autor popular;
  • Aos terceiros: qualquer cidadão e as entidades do art. 1º da LAP;
  • Ao MP, decorridos 60 dias da publicação da sentença passível de execução sem que as figuras acima citadas tenham promovido a execução da sentença;

A execução provisória só ocorrerá após a publicação da condenação de segunda instância.

 

1.5.7 Execução da sentença

A interpretação dos arts. 10, 12 e 13 da LAP em consonância com o art. 5º, LXXIII, da CF/88, resulta no seguinte sistema:

Art. 10. As partes só pagarão custas e preparo a final.

Art. 12. A sentença incluirá sempre, na condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado.

Art. 13. A sentença que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas.

Sentença de procedência → os ônus da sucumbência recairão sobre os réus; Sentença de improcedência ou terminativa:

  • se o autor litigou de má-fé (NCPC, art. 80), arcará com os ônus da sucumbência e, se a má-fé consistiu em lide manifestamente temerária, a multa devida ao réu será no valor do décuplo das
    custas (art. 13 LAP);
  • se a lide não for manifestamente temerária, o autor estará isento dos ônus da sucumbência;
  • sentença de procedência parcial → o autor somente pagará a parte proporcional ao seu insucesso se propôs lide temerária, caso em que ainda pagará ao réu multa no valor do décuplo das custas.

Aplica-se às ações populares o previsto no art. 18 da LACP, ou seja, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas processuais.

Por fim, registre-se que o art. 18 da LAP afirma que a ação prevista nesta lei prescreve em 5 anos.

A doutrina controverte acerca da natureza desse prazo, parte afirmando tratarse realmente de prescrição, outra parte defendendo ser prazo decadencial. Atenção: a pretensão à reparação do dano ambiental é imprescritível, por três fundamentos distintos:

a) trata-se de direito fundamental à vida humana digna e saudável;

b) que assiste não somente às gerações presentes, como também às futuras; e

c) a inclusão do meio ambiente como bem passível de defesa por ação popular deu-se com a CF/88, que não o submeteu a prazo prescricional.

 

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