Guia completo do que você precisa saber sobre a Lei de Ação Civil Pública

Olá megeanos(as)!

É essencial, quando se trata de interesses e direitos difusos e coletivos, o estudo detalhado da Lei n. 7.347/1985, pois a Lei da Ação Civil Pública (LACP) é considerada, com o Código de Defesa do Consumidor, um diploma geral do microssistema de processo coletivo. Por isso preparamos esse guia especialmente para você!

A LACP representa um marco fundamental na proteção dos direitos difusos e coletivos no Brasil, caminhando lado a lado com o Código de Defesa do Consumidor como pilares do microssistema de processo coletivo. Essa legislação abre caminhos para a tutela efetiva de direitos essenciais ao bem-estar comum e à manutenção da justiça social, possibilitando a defesa de interesses que transcendem o individual e impactam a coletividade.

Por meio da LACP, questões de enorme relevância, como danos ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico e histórico, entre outros, podem ser adequadamente endereçadas no Judiciário, refletindo um avanço significativo na consciência sobre a importância da preservação desses direitos para as presentes e futuras gerações.

Bons estudos!

 

Este material foi retirado de um ponto do nosso Clube do MP:

Clube do MP - Curso Mege

A turma ideal para quem realmente quer ser promotor(a) de justiça!
Ao nosso lado, com 1547 aprovações para carreira, esse sempre foi um sonho possível.

 

Vamos ao estudo!

 

  • DIREITOS E INTERESSES TUTELADOS

Vimos que a LACP não traz a definição, em tese, dos tipos de direitos coletivos lato sensu. As definições legais foram trazidas pela primeira vez pelo Código de Defesa do Consumidor. Recordemos o teor do art. 81, parágrafo único, do CDC:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

  • interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
  • interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
  • interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem

A definição, o conceito e os traços característicos de cada um desses direitos coletivos foram abordados no nosso ponto anterior. Trazemos aqui, para lembrança, apenas a tabela final, que aborda os traços característicos e as diferenças marcantes entre os direitos difusos, direitos coletivos (stricto sensu) e direitos individuais homogêneos:

DifusosColetivosIndividuais homogêneos
Objeto jurídicoIndivisível.Indivisível.Divisível.
TitularesIndeterminados  e indetermináveis (indeterminabilidade).Determináveis

(determinabilidade).

Determináveis

(determinabilidade).

Relação de origemCircunstâncias de fato.Relação jurídica base entre si ou com a parte contrária.Origem comum (de fato ou de direito).

+

Recomendabilidade de tratamento conjunto (exigência da doutrina e da jurisprudência).

Coisa julgadaEm regra, erga omnes.Ultra partes (sentença de procedência beneficiará todas as pessoas que estejam na mesma situação jurídica base)
Natureza 

São essencialmente coletivos (transindividuais).

 

São essencialmente coletivos (transindividuais).

São acidentalmente coletivos (essencialmente individuais).

A LACP prevê, em seu art. 1º, uma série de matérias em relação às quais pode ser manejada uma ação coletiva – não necessariamente só a ACP, como deixa claro o próprio caput do dispositivo (“sem prejuízo da ação popular”). Registre-se que não somente a Ação Popular pode ser igualmente veiculada, mas toda e qualquer sorte de demanda coletiva. A menção expressa somente à Ação Popular deve-se, em grande medida, ao fato de que, ao tempo da publicação da LACP (1985), apenas havia um diploma normativo que previa outra demanda de natureza coletiva, a Lei n. 4.717/1965.

Vejamos o rol de interesses e direitos previstos:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

  1. ao meio ambiente;
  2. ao consumidor;
  3. a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
  4. a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
  5. por infração da ordem econômica;
  6. à ordem urbanística;
  7. à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos;
  8. ao patrimônio público e social

O inciso mais importante, sem dúvida, é o IV, cuja redação foi dada pela Lei n. 8.078/90 (o CDC). Isso porque, antes dessa alteração legislativa, muito se debatia quanto à taxatividade ou não dos bens jurídicos que poderiam ser defendidos em sede de Ação Civil Pública. Com a atual redação do inciso IV, deixou-se claro que o referido rol é meramente exemplificativo ou numerus apertus.

Existem, para além dos previstos acima, outros bens e interesses de caráter manifestamente coletivo e que rotineiramente são objeto de ações coletivas. Apenas a título de exemplo: direitos dos portadores de deficiência (Lei n. 7.853/1989); direitos das crianças e dos adolescentes (ECA); direitos dos idosos (Estatuto do Idoso); direitos da mulher, especialmente em âmbito doméstico e domiciliar (Lei n. 11.340/2006) etc.

Como ressaltamos em passagem acima, a despeito de a redação do referido inciso referir-se expressamente somente a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, deve-se incluir também os direitos individuais homogêneos, notadamente em razão do princípio da integração entre LACP e CDC.

 

  • DOS DIREITOS E INTERESSES QUE NÃO PERMITEM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Para além do caput, o art. 1º da LACP possui um parágrafo único, incluído pela Medida Provisória 2.180-35/2001 (aquela famosa por ter inserido em vários diplomas legais dispositivos manifestamente protetivos da Administração Pública):

Art. 1º.

Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados

Questões tributárias e de contribuições previdenciárias – pode-se dizer que a vedação gira em torno de dois argumentos centrais:

  1. O MP não era legitimado para agir em favor de contribuintes;
  2. eventual procedência da ação significaria verdadeira retirada da eficácia da norma tributária, com efeito erga omens, substituindo, assim, uma ação direta de inconstitucionalidade e usurpando a competência dos tribunais competentes (ex. STF) para decidir sobre controle concentrado de constitucionalidade.
ATENÇÃO! Não confundir – há uma situação diferente em que o STF admite a legitimidade do MP. Trata-se da situação em que se visa anular acordo que conceda benefício fiscal a determinada empresa. Veja-se que, aqui, a despeito de haver uma questão tributária de fundo, o Ministério Público não está a defender interesse direto de contribuintes, e, sim, o patrimônio público (arrecadação tributária para o erário) e a higidez da concessão de benefícios fiscais.

  • O Parquet tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial – TARE, em face da legitimação ad causam que o texto constitucional lhe confere para defender o erário.
  • Não se aplica à hipótese o parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.347/1985. (RE 155/DF, Pleno, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, j. em 12/08/2010).

Informativo 731 STJ 2022: O Ministério Público não tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública objetivando a restituição de valores indevidamente recolhidos a título de empréstimo compulsório sobre aquisição de automóveis de passeio e utilitários.

Comentários: A razão de decidir foi justamente o fato de o Ministério Público não ter legitimidade ativa para propor ação em que se discute a cobrança (ou não) de tributo, assumindo a defesa dos interesses do contribuinte, deduzindo pretensão referente a direito individual homogêneo disponível. REsp. 1.709.093-ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 29/03/2022, DJe 01/04/2022.

Exceção! A vedação ora estudada não abrange os serviços remunerados por tarifas ou preços públicos (especialmente preços praticados por concessionárias de serviços públicos). Tratam-se de relações jurídicas de natureza consumerista e que, como tal, em regra admitem o manejo de ações coletivas, inclusive a ACP.

FGTS à a despeito da clareza do dispositivo legal, recentemente (ano de 2019), o STF, no RE 643.978, julgado pelo Tribunal Pleno sob o regime de repercussão geral, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 09/10/2019, decidiu pela legitimidade ativa do MP para ajuizar ACP em face da Caixa Econômica Federal no tocante ao modelo organizacional dispensado ao FGTS (no que se refere à unificação das contas fundiárias dos trabalhadores).

ATENÇÃO! Ressalte-se que não é que o STF tenha negado vigência ao aludido parágrafo único do art. 1º da LACP, e sim que adotou um temperamento, por entender que a questão concreta envolvia um direito com forte conotação social e expressiva envergadura social.

A tese de repercussão geral do julgado foi a seguinte: o Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao FGTS. (RE 643.978, PLENO, Repercussão Geral, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, j. em 09/10/2019, publicado em 25/10/2019).

 

  • MAIS REGRAS PROCEDIMENTAIS

A LACP prevê que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º). Nesse diapasão, e especialmente no ponto anterior em que trabalhamos da disciplina, houve análise das regras procedimentais para as ações com tutela específica de fazer ou não fazer.

Algumas questões procedimentais, porém, ainda não tinham sido abordadas.

ATENÇÃO! STJ – Informativo 756 (2022): É de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual de sentença proferida em Ação Civil Pública. EDcl no REsp 1.569.684-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

Pedido de suspensão da execução da liminar:

 O par. 1º do art. 12 da LACP prevê o instituto do pedido de suspensão da execução da liminar como uma possibilidade disponível à pessoa jurídica de direito público interessada, desde que preenchidos determinados requisitos. Antes, todavia, de explorarmos estes, vamos entender melhor do que se trata.

Antes da LACP, já havia previsão legal quanto à possibilidade de suspensão de seguranças concedidas em sede de Mandado de Segurança, na antiga Lei n. 1.533/51, revogada pela Lei n. 12.016/2009. Desde o seu nascedouro, o instrumento ficou conhecido simplesmente como “suspensão de segurança”, expressão até hoje utilizada para se referir às previsões legais similares constantes de outros diplomas legais. Há, igualmente, quem se refira simplesmente à “suspensão de liminar”.

Após a antiga Lei do Mandado de Segurança e a LACP, veio a Lei n. 8.437/1992, que trouxe uma previsão mais completa, para qualquer tipo de ação (art. 4º). E o seu parágrafo primeiro prevê que se aplica o dispositivo à sentença proferida em Ação Civil Pública. Conclui-se, então, que tanto a liminar como a sentença proferidas em Ação Civil Pública podem vir a ser suspensas caso preenchidos os requisitos do pedido de suspensão.

A suspensão de segurança não tem natureza recursal, mas de simples (e poderoso!) incidente processual. Isso significa que convive com o recurso cabível das decisões que se pretende suspender. Pode-se, inclusive, manejar, concomitantemente, o recurso e o pedido de suspensão (e o recurso pode conter pedido de concessão de efeito suspensivo). O julgamento do recurso não prejudica nem condiciona o julgamento do incidente.

Vamos aos detalhes que importam da suspensão de liminar (ou de sentença em ACP):

  1. Competência para julgamento: do Presidente do Tribunal a quem compete o julgamento do recurso cabível contra a decisão (ex.: se a liminar for concedida por um juiz estadual de primeiro grau, a competência será do Presidente do Tribunal de Justiça local).
  2. Objeto: a suspensão momentânea da exequibilidade da decisão. A decisão continua existindo, mas seus efeitos ficam suspensos (eventual reforma da decisão somente pelo meio de impugnação para tanto, que é o recurso cabível).
  3. Prazo: ao contrário dos recursos, não há prazo para o pedido incidente de suspensão.
  4. Legitimidade: o pleito poderá ser feito ou pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica de direito público interessada (leia-se: aquela que vai ser atingida pelos efeitos da decisão).
  5. Requisitos: são duas ordens de requisitos. Dentro de cada ordem, há requisitos alternativos (ou seja, tem que se ter pelo menos um requisito da primeira ordem e pelo menos um da segunda ordem).
Fundamento 

 

 

 

+

Finalidade (evitar grave lesão)
Manifesto interesse públicoÀ ordem pública ou
ouÀ saúde pública ou
Flagrante ilegitimidadeÀ segurança pública ou
À economia pública

Recurso cabível: da decisão que conceder ou negar a suspensão cabe agravo (antigo agravo interno), no prazo de 05 (cinco) dias.

 

Possibilidade de atribuição de efeito suspensivo aos recursos:

Embora não regulamente o sistema recursal (aplicar-se-á o CPC subsidiariamente), a LACP prevê a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte (art. 14 da LACP).

Isso significa que os recursos interpostos em Ações Civis Públicas, em regra, possuem apenas efeito devolutivo. O efeito suspensivo deve ser ope judicis (dependente de requerimento e apreciação judicial caso a caso).

 

Custas e despesas processuais:

Há dois dispositivos na LACP que cuidam do tema. Vamos transcrevê-los para, em seguida, entender suas prescrições.

Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e dos diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

 

O CDC também tem um dispositivo semelhante:

Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este código não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.                                

Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Excepcionando o regime padrão do CPC (segundo o qual as partes devem antecipar as despesas dos atos processuais que requereram/realizaram), a LACP e o CDC preveem que os autores de ações coletivas NÃO estão obrigados ao adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais nem quaisquer outras despesas processuais.

OBSERVAÇÃO: Especificamente quanto aos honorários periciais, ante a existência de profissionais diretamente envolvidos, a realização de perícias muitas vezes complexas e a enorme dificuldade para os peritos obterem seus pagamentos somente ao final do processo, houve algumas situações decididas já no seio do STJ.

STJ: após alguns julgados esparsos de Turmas entendendo ser devido o adiantamento dos honorários periciais, a 1ª Seção decidiu não ser possível exigir (no caso concreto, era o Ministério Público) a obrigação de adiantar os honorários do experto. Por outro lado, aplicando analogicamente a Súmula 232 do STJ (“A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”), o STJ tem, nas ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público, imputado à Fazenda Pública respectiva o custeio da perícia (ex.: Ministério Público do Estado do Ceará à pagamento pelo Estado do Ceará). Ex.: EREsp. 1.253.844/SC.

Então, a antecipação não é devida. E quanto à sucumbência ao final?

Mais uma vez, de forma diametralmente oposta ao CPC (cuja regra é o pagamento, pelo vencido, dos ônus sucumbenciais), o microssistema de processo coletivo tem por regra o não pagamento de ônus de sucumbência.

Perceba-se que os dispositivos legais fazem menção expressa apenas a quando a “associação autora” é sucumbente. É importante saber que o preceito legal fala somente em associação autora (importa caso venha a ser cobrada uma questão na literalidade legal). A jurisprudência, porém, é tranquila no sentido de que o regramento se aplica aos demais legitimados, quando autores, inclusive ao Ministério Público (STJ).

Apenas se a associação autora atuar com má-fé é que poderá haver condenação ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Para a doutrina, tal não é ônus da sucumbência, mas verdadeira sanção processual decorrente da litigância de má-fé.

ATENÇÃO! STJ – Informativo 713: É devido o recolhimento inicial de custas judiciais no âmbito de liquidação de sentença coletiva genérica, proposta por associação, em nome de titulares de direito material específico e determinado. REsp. 1.637.366-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021, DJe 11/10/2021.

ATENÇÃO PARA AS DIFERENÇAS NAS AÇÕES COLETIVAS ENVOLVENDO CRIANÇA E ADOLESCENTE E IDOSO.

  • Para o ECA, a condenação da associação autora ao pagamento de honorários advocatícios somente ocorre se for reconhecido que a pretensão é manifestamente infundada (ECA, 218).
  • Para o Estatuto do Idoso, apenas não se imporá a sucumbência ao Ministério Público (art. 88, parágrafo único). A contrario sensu, os demais autores estarão sujeitos ao ônus da sucumbência (ao final).

 

  • FUNDO DE DIREITOS DIFUSOS

A LACP estabelece que, quando houver condenação em dinheiro em sede de Ação Civil Pública, o valor da indenização reverterá para um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais. Em qualquer hipótese, é obrigatória a participação nesses conselhos do Ministério Público e de representantes da comunidade.

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Par. 1º. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.

Par. 2º. Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1º desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente

Da norma acima, retira-se a autorização para a criação de um fundo federal e de fundos estaduais, geridos e administrados por conselhos respectivos, tendo havido determinação legal (art. 20) de que o fundo federal fosse regulamentado pelo Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias da promulgação legislativa. Atualmente, esse fundo federal denomina-se Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) e é regido pela Lei n. 9.008/1995.

Em diferentes Estados, também há fundos criados, com nomenclaturas próprias.

Os recursos destinados ao fundo podem ser basicamente de duas ordens:

  1. proveniente de condenações destinadas à tutela de direitos difusos (como os titulares dos referidos direitos são indeterminados e indetermináveis, a integralidade da indenização reverte ao fundo);
  2. em caso de tutela de direitos individuais homogêneos, o resíduo não executado por vítimas e seus sucessores – conhecido como fluid recovery, a teor da previsão do 100 do CDC.

Nessas situações, quando a totalidade de créditos individuais não chega a ser executada (dentro do prazo de 01 ano), faculta-se a execução do resíduo (ou seja, a diferença entre o valor do prejuízo total causado e as quantias individualmente executadas por cada vítima/sucessor habilitado) aos legitimados coletivos do art. 82 do CDC.

A essa forma de reparação/execução a doutrina atribuiu o nome de fluid recovery, haja vista que o benefício às vítimas determináveis ocorrerá apenas de forma indireta, difusa, fluida. Nada impede, entretanto, que a legislação de regência de cada fundo preveja fontes adicionais de receitas.

Em regra, a destinação dos recursos dos fundos é vinculada à reconstituição dos bens lesados. Especificamente no que tange ao parágrafo segundo, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010) previu uma destinação mais direcionada, conforme parágrafo segundo do art. 13 da LACP, qual seja, a utilização em ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do conselho respectivo, a depender da extensão do dano.

 

ATENÇÃO DUAS VEZES!

Informativo 729 STJ 2022: A legitimidade subsidiária da associação e dos demais sujeitos previstos no art. 82 do CDC em cumprimento de sentença coletiva fica condicionada, passado um ano do trânsito em julgado, a não haver habilitação por parte dos beneficiários ou haver em número desproporcional ao prejuízo, nos termos do art. 100 do CDC. REsp. 1.955.899-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado 15/03/2022, DJe 21/03/2022.

Informativo 734 STJ 2022: A liquidação da sentença coletiva, promovida pelo Ministério Público, não tem o condão de interromper o prazo prescricional para o exercício da pretensão individual de liquidação e execução pelas vítimas e seus sucessores. REsp. 1.758.708-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 20/04/2022.

 

  • TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Há uma simples previsão na LACP sobre a possibilidade de os ÓRGÃOS PÚBLICOS legitimados tomarem dos interessados compromisso de ajustamento de conduta. Trata-se do par. 6º do art. 5º:

Art. 5º, par. 6º. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Os TACs possuem natureza de acordos extrajudiciais em tema de direitos coletivos (lato sensu). Registre-se que, para o Ministério Público, há normatização específica na Resolução CNMP n. 179/2017.

Legitimidade para tomada do compromisso: apenas os órgãos públicos legitimados para a atuação ativa na defesa de interesses e direitos coletivos lato sensu. Na verdade, é pacífico que se tratam dos entes públicos, e não de órgão em si (pois se sabe que os órgãos, dentro da estrutura administrativa do Poder Público, são aquelas divisões de competência despersonalizadas).

Não são legitimados: na prática, do rol de legitimados ativos para a propositura de ACP, não podem firmar TAC as associações, os sindicatos e as fundações privadas, pois possuem natureza de pessoas jurídicas de direito privado.

Com relação às sociedades de economia mista e às empresas públicas, não há consenso doutrinário a respeito nem jurisprudência relevante (e, provavelmente, não será objeto de questionamento em prova de concurso).

É importante destacar que, para firmar o TAC, o ente público deverá ter igualmente legitimidade ativa para ingressar, se for o caso, com a Ação Civil Pública respectiva (tal tem especial relevo para entes que precisem demonstrar pertinência temática ou interesse, por exemplo).

Objeto: o TAC visa a adequação de condutas às exigências constitucionais e legais, com o afastamento da ameaça de dano ou sua reparação. É clássica a lição de que o tomador do compromisso (ente público) não pode dispor do interesse ou direito material envolvido, mas podem ser ajustados o modo, o tempo e o lugar para cumprimento das obrigações. Isso porque, lembre-se, os legitimados ativos não são titulares dos direitos materiais, atuando como defensores de direitos alheios.

Deve-se buscar que as obrigações assumidas pelo compromissário sejam o mais próximo possível de uma tutela específica da obrigação (caso houvesse atuação judicial). Desse modo, deve-se prestigiar obrigações de fazer ou não fazer em detrimento de pagamentos compensatórios, por exemplo (pois o dano existiria e o responsável apenas “pagaria/indenizaria” sua existência, o que não é o mais adequado em se tratando de direitos e interesses coletivos).

 

ATENÇÃO! Excepcionalmente, o STJ (em decisão antiga) já admitiu a transação em matéria de direitos difusos numa circunstância específica, a impossibilidade de recondução ao status quo ante.

A ementa é claríssima:

A regra geral é de não serem passíveis de transação os direitos difusos.

Quando se tratar de direitos difusos que importem obrigação de fazer ou não fazer deve-se dar tratamento distinto, possibilitando dar à controvérsia a melhor solução na composição do dano, quando impossível o retorno ao status quo ante. A admissibilidade de transação de direitos difusos é exceção à regra. (REsp. 299.400/RJ, T2, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 02/08/2006).

Cominações: o TAC, por excelência, deve contar com medidas cominatórias para que goze de efetividade. A mais comum delas é a multa, que pode ser fixada no valor e da forma que se mostrar mais adequada para garantir as obrigações fixadas no compromisso. Apesar de ser o meio mais comum, nada impede que outros sejam ajustados, inclusive obrigações de fazer e não fazer.

Título executivo extrajudicial: uma vez tomado e formalizado o compromisso, passa a ter eficácia de título executivo extrajudicial e sua execução obedecerá ao disposto no CPC, aplicável subsidiariamente, haja vista que a LACP nada dispõe sobre o procedimento executório.

 

  • DO INQUÉRITO CIVIL

É salutar que, para a Ação Civil Pública – bem como as demais ações coletivas a parte autora deve instruí-la com os documentos indispensáveis à sua propositura. Nesse contexto de verificar a existência de suporte probatório que dê ensejo à demanda coletiva, está o Inquérito Civil.

O inquérito civil é um procedimento administrativo, de competência privativa do Ministério Público, que serve para fins de investigação e coleta de elementos e provas para eventual atuação em sede de direitos coletivos lato sensu. É previsto constitucionalmente como uma das funções do MP (art. 129, III, CF/88).

Embora não seja essencial (é dispensável), pode ser preparatório a uma Ação Civil Pública. São características básicas do Inquérito Civil:

  • privatividade do Ministério Público;
  • inquisitoriedade: assim como o Inquérito Policial, não há previsão de obrigatório contraditório e ampla defesa;
  • caráter investigatório;
  • informalidade;
  • não obrigatoriedade: se o MP dispuser de elementos suficientes para aparelhar a ação coletiva, não precisará instaurar o procedimento. O próprio par. 1º do art. 8º da LACP menciona tratar-se de uma faculdade a instauração do inquérito civil, e não obrigatoriedade ou necessidade. Ademais, o parágrafo único do art. 1º da Resolução n. 23/2007 do CNMP prevê que “o inquérito civil não é condição de procedibilidade para o ajuizamento das ações a cargo do Ministério Público”).

Para além do Inquérito Civil, o Ministério Público pode ainda se valer do

procedimento preparatório ao inquérito civil.

A maior parte da disciplina legal sobre Inquérito Civil e procedimento preparatório está veiculada em normas próprias da carreira do Ministério Público (ex.: a Resolução n. 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público, que visa a disciplinar a instauração e tramitação do inquérito civil nos diversos ramos do Ministério Público). O estudo aprofundado dessa norma não costuma ser cobrado em provas de Magistratura Estadual.

Registre-se que o Ministério Público não precisa se valer, obrigatoriamente, do Inquérito Civil para propor uma Ação Civil Pública (assim como os demais legitimados, que sequer têm competência para tanto). Daí, exsurge a sua natureza dispensável.

A LACP prevê que qualquer pessoa do povo pode (faculdade) e qualquer servidor público deve (obrigação legal) provocar o MP sobre fatos que constituam objeto de ACP, inclusive indicando os elementos de convicção. O próprio MP pode, independentemente de provocação, tomar conhecimento de fato potencialmente lesivo de direitos coletivos e agir.

Art. 6º. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhes os elementos de convicção.

Se o servidor público for justamente juiz ou de tribunal, o dever de comunicar sobre fatos que tiverem conhecimento no exercício das funções é ainda mais acentuado, demandando inclusive a remessa de peças ao MP:

Art. 7º. Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão as peças ao Ministério Público para providências cabíveis.

O CPC/2015 trouxe previsão semelhante:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.

Seja por meio de inquérito civil, seja quando este não é instaurado, o Ministério Público dispõe de ferramentas para o fim de buscar informações e provas, de modo a instruir a ação coletiva. Em sede constitucional, são previstas: a expedição de notificações nos processos administrativos de sua competência e a requisição de informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva (art. 129, VI, CF/88).

A requisição, ao contrário do simples requerimento, obriga o seu cumprimento, é uma ordem, impositiva, e o seu não atendimento pode configurar o crime previsto no art. 10 da LACP:

Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público

Perceba-se que é elementar do tipo penal que tenha havido requisição do Ministério Público. Caso a negativa, o retardamento ou a omissão se dê diante de requerimento de outro legitimado, não haverá o delito de que ora se trata.

A LACP faz a diferenciação entre requerimento (previsto no caput do art. 8º) e requisição (citada no par. 1º do art. 8º), trazendo esta como prerrogativa do MP:

Art. 8º. Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

Par. 1º. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

Par. 2º. Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.

 

Do arquivamento do Inquérito Civil:

Se, por um lado, o inquérito civil não é considerado essencial para a propositura de uma Ação Civil Pública; de outro, o seu arquivamento demanda um procedimento específico, previsto no art. 9º da Lei n. 7.347/85.

Art. 9º. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.

Par. 1º. Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.

Par. 2º. Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.

Par. 3º. A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.

Par. 4º. Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.

A lei prevê, expressamente, que a promoção de arquivamento demanda o pressuposto de que tenham sido esgotadas todas as diligências. A doutrina, para além disso, também a admite quando, mesmo que realizadas todas as diligências, haja convencimento de que não existe fundamento para a propositura da ACP (ex.: inexistência de lesão ou ameaça de lesão aos bens jurídicos tuteláveis).

 

Órgão revisor competente: Conselho Superior do Ministério Público. Registre- se que essa é a previsão expressa da LACP, mas que não é a mesma nem em todas as legislações que tratam sobre ações coletivas (ex.: o Estatuto do Idoso cita o Conselho Superior ou Câmara de Coordenação e Revisão) nem nos normativos próprios do Ministério Público.

Não é nossa missão aqui examinar as leis e resoluções próprias do MP nem costumam ser objeto de perguntas em provas de Magistratura Estadual. É necessário, todavia, ter atenção ao teor dos enunciados das questões. Havendo questionamento expresso sobre ACP ou sobre a Lei n. 7.347/85 (sem citar outras normas), a resposta deve ser o Conselho Superior do MP (por mais que, na prática, às vezes nem seja efetivamente esse órgão na divisão de atividades de cada ramo do parquet).

Registre-se, ainda, que, caso a promoção de arquivamento seja homologada pelo órgão competente, tal não gera para o investigado um direito de não ser futuramente mais investigado. Não há essa previsão legal. Ao revés, na mencionada Resolução 23/2007 do CNMP, tem-se a previsão da possibilidade de desarquivamento do inquérito civil, dentro de determinado prazo, à vista de novas provas ou da necessidade de se investigar um fato novo relevante, que tenha relação com o fato outrora investigado.

 

Então o que concluímos juntos?

A Lei de Ação Civil Pública é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa na proteção dos direitos difusos e coletivos, estabelecendo um mecanismo eficiente para sua defesa e promoção. Ao longo dos anos, sua aplicação tem permitido avanços significativos na luta contra injustiças e na promoção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Essa legislação não apenas reflete a evolução do direito brasileiro em direção a uma maior conscientização social e ambiental, mas também destaca a capacidade do sistema jurídico de se adaptar e responder às necessidades coletivas da população. À medida que a sociedade continua a enfrentar desafios complexos, a LACP permanece como um instrumento vital para garantir que os interesses coletivos sejam protegidos e promovidos de maneira eficaz, contribuindo para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito no Brasil.

 

Sugestões de leitura:

 

Turmas abertas curso mege

youtube curso mege

instagram curso mege

telegram curso mege