Olá megeanos(as)!
Vamos aprender um pouco mais sobre o Sistema Regional Americano de Direitos humanos e suas ramificações, levantando temas importantíssimos ? Segue abaixo um breve compilado sobre a temática tão abordada em certames de Defensoria Pública Estadual.
Após a criação e o desenvolvimento inicial do Sistema Global (ou Sistema Universal), deu-se prosseguimento com a regionalização da proteção internacional dos Direitos Humanos. Constituiu-se, portanto e respectivamente, os sistemas Europeu, Americano e, na sequência, o sistema Africano de proteção.
1. SISTEMA REGIONAL AMERICANO DE DIREITOS HUMANOS
É administrado pela Organização dos Estados Americanos, contando com órgãos competentes no monitoramento do cumprimento dos instrumentos jurídicos de direitos humanos: Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). O principal instrumento jurídico do sistema interamericano é a Convenção Americana de Direitos Humanos (conhecida também como “Pacto São José da Costa Rica”) do ano de 1969.
No entanto, dos 35 Estados-partes da OEA, 23 ratificaram a Convenção Americana (dentro os que não ratificaram, destacamos Canadá e Estados Unidos) e 02 denunciaram o pacto (Trinidad e Tobago, em 1998, e Venezuela, em 2012), impedindo que o sistema interamericano se torne um sistema dotado de completude. Daí ser comum visualizar a Convenção Americana como um instrumento muito mais latino- americano que propriamente interamericano.
Por outro lado, muitos Estados que já ratificaram a Convenção ainda não aderiram à competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que impede que pessoas sujeitas à jurisdição desses Estados postulem no sistema interamericano indenizações ou reparações pelas violações de direitos ocorridas.
Portanto, a doutrina aponta que o sistema interamericano é subdividido em dois subsistemas, sendo um chamado de sistema da OEA, baseado na Carta da OEA, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e no Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e o segundo baseado na Convenção Americana de Direitos Humanos (lembrando que, nesse último, nem todos os Estados reconheceram a competência da Corte Interamericana). Assim, a Carta da OEA e também a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem também são importantes no processo de formação do sistema interamericano de direitos humanos.
1.1. SUBSISTEMA DA OEA
Como organismo regional do pós-Segunda Guerra Mundial, a Organização dos Estados Americanos (OEA) foi fundada em 1948, durante a Nona Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá (Colômbia), com a participação de 21 Estados, que assinaram a Carta da OEA, que entrou em vigor em dezembro de 1951. A Carta da OEA sofreu modificações, mediante protocolos, em quatro ocasiões: Buenos Aires, 1967; Cartagena das Índias, 1985; Washington, 1992; Manágua, 1993.
A Carta da OEA determina que a solução das controvérsias internacionais entre os Estados membros devem ser submetida aos processos de solução pacífica, conforme a Carta da OEA, como a “negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a investigação e conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam especialmente combinados, em qualquer momento, pelas partes” (art. 25 da Carta da OEA).
Já a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, adotada em 2 de maio de 1948, é a primeiro documento internacional de direitos humanos na leitura contemporânea, e antecedeu em alguns meses a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é de 10 de dezembro de 1948. O tema será abordado mais à frente.
Por fim, a Carta da OEA (também chamada de Carta de Bogotá) é um tratado multilateral aberto constitutivo da OEA, firmado em 1948, com entrada em vigor no dia 13 de dezembro de 1951. A assinatura ocorreu em Bogotá, Colômbia. No Brasil, sua promulgação data de 14 de fevereiro de 1952, pelo Decreto n. 30.5442. Não há criação de direitos pela Carta da OEA, mas o documento, em seu art. 3, “l”, prevê como princípio que “Os Estados americanos proclamam os direitos fundamentais da pessoa humana, sem fazer distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo”.
A Carta proclama, de modo genérico, “o dever de respeito aos direitos humanos” por parte de todo Estado-membro da organização, reconhece a universalidade dos direitos humanos e estabelece “que o verdadeiro sentido da solidariedade americana e da boa vizinhança não pode ser outro senão o de consolidar um regime de “liberdade individual e de justiça social””.
1.2. PROPÓSITOS DA OEA
Em sua natureza, a OEA tem o intento de conseguir para os Estados Americanos “uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência” (art. 1).
Nesse sentido, o principal propósito da OEA é o de garantir a paz e a segurança no continente americano. A Carta da OEA estabelece igualmente como propósitos essenciais (art. 2):
- Promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não intervenção;
- Prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre seus membros;
- Organizar a ação solidária destes em caso de agressão;
- Procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados membros;
- Promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural;
- Erradicar a pobreza crítica, que constitui um obstáculo ao pleno desenvolvimento democrático dos povos do Hemisfério; e
- Alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos Estados membros.
Esses propósitos devem ser observados em consonância com a Carta das Nações Unidas, já que a OEA articula-se com esse sistema.
1.3. ÓRGÃOS DA OEA
A OEA realiza os seus fins por intermédio dos seguintes órgãos (art. 53):
- Assembleia Geral;
- Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores;
- Os Conselhos;
- A Comissão Jurídica Interamericana;
- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que também é um importante órgão do subsistema da Convenção Americana de Direitos Humanos;
- A Secretaria-Geral;
- As Conferências Especializadas; e
- Os Organismos Especializados.
1.4. ASSEMBLEIA GERAL
A Assembleia Geral é o órgão supremo da OEA e entre as suas principais atribuições, destacam-se:
- Decidir a ação e a política gerais da Organização, determinar a estrutura e funções de seus órgãos e considerar qualquer assunto relativo à convivência dos Estados americanos;
- Estabelecer normas para a coordenação das atividades dos órgãos, organismos e entidades da Organização entre si e de tais atividades com as das outras instituições do Sistema Interamericano;
- Fortalecer e harmonizar a cooperação com as Nações Unidas e seus organismos especializados;
- Promover a colaboração, especialmente nos setores econômico, social e cultural, com outras organizações internacionais cujos objetivos sejam análogos aos da Organização dos Estados Americanos.
- A Assembleia Geral se reúne anualmente e cada Estado-membro tem direito de se fazer representar, com direito a um voto (art. 56 c/c o art. 57).
1.5. REUNIÃO DE CONSULTA DE MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Conforme o art. 61 da Carta da OEA, “a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores deverá ser convocada a fim de considerar problemas de natureza urgente e de interesse comum para os Estados americanos, e para servir de Órgão de Consulta” para considerar qualquer ameaça à paz e à segurança do continente, em conformidade com o disposto no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, assinado no Rio de Janeiro, em 1947.
1.6. REUNIÃO DE CONSULTA DE MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Entre os conselhos da OEA, destaque para o Conselho Permanente. Com efeito, “O Conselho Permanente compõe-se de um representante de cada Estado-membro, nomeado especialmente pelo respectivo governo, com a categoria de embaixador” (art. 80, grifos nossos) e “tomará conhecimento, dentro dos limites da Carta e dos tratados e acordos interamericanos, de qualquer assunto de que seja incumbido pela Assembleia Geral ou a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores” (art. 82), podendo atuar provisoriamente como órgão de consulta (art. 83).
Cabe a esse Conselho velar pela manutenção das relações de amizade entre os Estados membros e ajudá-los de maneira efetiva na solução pacífica de suas controvérsias, conforme as disposições da Carta da OEA (art. 84).
1.7. COMISSÕES
Entre as comissões, destacam-se:
- Comissão Jurídica Interamericana;
- Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A Comissão Jurídica Interamericana tem por finalidade, conforme o art. 99 da Carta da OEA, (i) servir de corpo consultivo da OEA em assuntos jurídicos; (ii) promover o desenvolvimento progressivo e a codificação do direito internacional; e (iii) estudar os problemas jurídicos referentes à integração dos países em desenvolvimento do continente, bem como a possibilidade de uniformizar suas legislações no que parecer conveniente.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui como função principal promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da OEA nessas temáticas. Será objeto de estudo mais detalhado à frente, pois também integra o subsistema da Convenção Americana de Direitos Humanos.
1.8. SECRETARIA-GERAL
Constitui o órgão central e permanente da OEA, com sede em Washington D.C, ao qual caberá o exercício das funções atribuídas pela Carta da OEA, pelos tratados e acordos e pela Assembleia Geral, e cumprirá os encargos que lhe forem incumbidos pela Assembleia Geral, pela Reunião de Ministros de Relações Exteriores e pelos Conselhos da OEA (art. 107).
1.9. CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA
Direitos humanos e democracia encontram-se em profunda associação. Um é pressuposto do outro: não há direitos humanos sem democracia e não há democracia sem direitos humanos. Significa dizer que os direitos humanos só prosperam e se efetivam em um quadro democrático e a democracia só se torna um regime substancial ao contemplar os direitos humanos. Daí a intensa e recíproca relação entre eles.
A Carta Democrática Interamericana foi aprovada em 11/09/2001 em Lima, Peru. Foi aprovada como Resolução na Assembleia Geral da OEA, não é vinculante e tem natureza de soft law (direito em formação) que rege a temática na região. A Carta constitui relevante vetor de interpretação de como promover a democracia prevista na Carta da OEA.
Segundo André de Carvalho Ramos, o ineditismo da Carta “consiste em seu objetivo de exigir o respeito à democracia formal (rotatividade do poder e eleições periódicas) e também à democracia substancial (justiça social), estabelecendo o direito à democracia (…)”. Embora não seja juridicamente vinculante, é o documento central da OEA em termos de destacar a democracia como compromisso dos Estados membros da OEA.
Afinal, após décadas de instabilidades e regimes de exceção, atualmente tem- se na Américas e no Caribe uma inédita estabilidade institucional que contribui para a democracia e a proteção dos direitos humanos. A Carta Democrática reconhece ainda que a democracia e o desenvolvimento econômico e social são interdependentes e reforçam-se mutuamente5. Foi aprovada em 11 de setembro de 2001 pela OEA. Estrutura: 28 artigos; 6 capítulos. Os capítulos são:
- A democracia e o sistema interamericano;
- A democracia e os direitos humanos;
- Democracia, desenvolvimento integral e combate à pobreza;
- Fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática;
- A democracia e as missões de observação eleitoral;
- Promoção da cultura democrática.
Atenção! Pontos relevantes da Carta Democrática Interamericana
A democracia e os direitos humanos
Há uma intensa e recíproca relação entre democracia e direitos humanos. Aquela “é indispensável para o exercício efetivo das liberdades fundamentais e dos direitos humanos, em seu caráter universal, indivisível e interdependente, consagrados nas respectivas constituições dos Estados e nos instrumentos interamericanos e internacionais de direitos humanos”, sendo que “os Estados membros reafirmam sua intenção de fortalecer o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, para a consolidação da democracia no Hemisfério” (art. 7).
Nesse processo, é necessário reconhecer a “qualquer pessoa ou grupo de pessoas que considere que seus direitos humanos tenham sido violados a possibilidade de interpor denúncias ou petições perante o sistema interamericano de promoção e proteção dos direitos humanos, conforme os procedimentos nele estabelecidos” (art. 8).
Ainda na perspectiva dos direitos humanos, a Carta Democrática Interamericana prevê a cláusula de não discriminação, que consiste na “eliminação de toda forma de discriminação, especialmente a discriminação de gênero, étnica e racial, e das diversas formas de intolerância, bem como a promoção e proteção dos direitos humanos dos povos indígenas e dos migrantes, e o respeito à diversidade étnica, cultural e religiosa nas Américas contribuem para o fortalecimento da democracia e a participação do cidadão” (art. 9).
Outro destaque da Carta Democrática Interamericana é a promoção das condições de trabalho e de qualidade de vida. Com efeito, “a promoção e o fortalecimento da democracia requerem o exercício pleno e eficaz dos direitos dos trabalhadores e a aplicação de normas trabalhistas básicas, tal como estão consagradas na Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Acompanhamento, adotada em 1998, bem como em outras convenções básicas afins da OIT. A democracia fortalece-se com a melhoria das condições de trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores do Hemisfério” (art. 10).
- Fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática
Para o fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática, a Carta Democrática Interamericana consigna uma série de dispositivos, entre eles a utilização da cláusula democrática, em caso de ruptura da ordem democrática ou uma alteração da ordem constitucional que afete gravemente um Estado-membro da OEA (art. 19).
Esse mecanismo é utilizado como forma de forçar um Estado que tenha rompido a sua ordem democrática a restabelecê-la, tornando um obstáculo insuperável à participação de seu governo nas sessões da Assembleia Geral, da Reunião de Consulta, dos Conselhos da Organização e das conferências especializadas, das comissões, grupos de trabalho e demais órgãos estabelecidos na OEA.
- A democracia e as missões de observação eleitoral
Em primeiro plano, os Estados são os responsáveis pela organização, realização e garantia de processos eleitorais livres e justos, mas isso não os impede, no exercício de sua soberania, de solicitarem à OEA assessoria ou assistência para o fortalecimento e o desenvolvimento de suas instituições e seus processos eleitorais, inclusive o envio de missões preliminares com esse propósito (art. 23).
Nesse sentido, é possível a realização de missões de observação eleitoral pela OEA, a pedido do Estado-membro interessado, por intermédio de convênio que determine o alcance e a cobertura da missão de observação eleitoral de que se tratar, que realizar-se-ão em conformidade com os princípios e normas da OEA. Para que se realizem as missões de observação eleitoral, o Estado deverá garantir as condições de segurança, livre acesso à informação e ampla cooperação com a missão de observação eleitoral. A OEA, por sua vez, deverá assegurar a eficácia e independência dessas missões, para o que as dotará dos recursos necessários e serão realizadas de forma objetiva, imparcial e transparente, e com a devida capacidade técnica (art. 24).
Os relatórios as atividades da missão de observação eleitoral devem ser apresentadas ao Conselho Permanente, por meio da Secretaria-Geral. Caso não existam as condições necessárias para a realização de eleições livres e justas, a missão de observação eleitoral deverá informar, por meio da Secretaria-Geral, o Conselho Permanente da OEA. Essa, aliás, poderá enviar, com o acordo do Estado interessado, missões especiais a fim de contribuir para criar ou melhorar as referidas condições (art. 25).
O art. 4º da Carta elenca a transparência, a probidade, a responsabilidade na gestão pública e o respeito aos direitos sociais e à liberdade de imprensa como componentes fundamentais ao exercício da democracia.
“A Carta Democrática constitui importante instrumento para a interpretação do direito à democracia e dos direitos políticos no Brasil, especialmente diante de inovações como a “Lei da Ficha Limpa”, que busca afastar – temporariamente – da possibilidade de ser eleito aqueles cuja conduta revela falta de compromisso com o direito à boa governança”.
1.10. DECLARAÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM
Aprovada na Nona Conferência Internacional Americana, em Bogotá, no ano 1948, não é juridicamente vinculante, eis que aprovada por meio de Resolução. A Carta da OEA também foi aprovada nessa Conferência. A Declaração Americana foi aprovada meses antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DHDH).
Observam, abaixo, a seguinte tabela comparativa:
DUDH | DADDH | |
QUANDO FOI APROVADA? | Abril – 1948 (30 artigos) | Dezembro – 1948 (meses antes), mas se inspirou nos trabalhos preparatórios da DUDH (38 artigos) |
NATUREZA JURÍDICA | Resolução, não é um tratado. A rigor, seria uma soft law, posição inclusive defendida minoritariamente por alguns. | Resolução, não é um tratado. A rigor, seria uma soft law, posição inclusive defendida minoritariamente por alguns. |
REFLEXOS | Políticos e serviu de inspiração aos tratados posteriores, sendo, inclusive, referencial | Políticos e serviu de inspiração aos tratados posteriores, sendo, inclusive, referencial |
ALCANCE DA DECLARAÇÃO? | Engloba direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais (primeira e segunda dimensão). Faz referência a deveres, mas de forma expressa e pontual (art.29). | Engloba direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais (primeira e segunda dimensão). Faz referência a deveres, destacando no título e um capítulo próprio (segundo capítulo). |
ÓRGÃOES DE MONITORAMENTO | Não apresenta em seu corpo instrumentos ou órgãos próprios destinados a tornar compulsória sua aplicação | Não apresenta em seu corpo instrumentos ou órgãos próprios destinados a tornar compulsória sua aplicação. |
1.11. SUBSISTEMA DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CADH)
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) ou “Pacto de San José” foi aprovada em 22/11/69, mas entrou em vigor em 18/07/1998.
A CADH trata, especialmente, dos direitos civis e políticos, apesar de falar dos direitos humanos de forma indivisível. Os direitos econômicos, sociais e culturais são abordados de forma pontual, no art. 26, que trata da sua implementação progressiva. Atualmente, é ratificada por 23 países (Argentina, Barbados, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Suriname e Uruguai).
ATENÇÃO: A CADH é um dos tratados mais exigidos em concurso que envolve a disciplina Direitos Humanos. A leitura da CADH é essencial para pontuar na primeira fase de qualquer concurso.
2.12 STATUS NORMATIVO NO DIREITO INTERNO
A CADH foi promulgada no Brasil pelo Decreto n. 6788, de 6 de novembro de 1992, mas com reserva:
Art. 2° Ao depositar a carta de adesão a esse ato internacional, em 25 de setembro de 1992, o Governo brasileiro fez a seguinte declaração interpretativa: “O Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea d, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado”.
Uma discussão sempre lembrada ao se estudar a Convenção Americana (em verdade, ao se estudar qualquer tratado de direitos humanos em vigor no Estado) diz respeito ao seu status hierárquico no plano do nosso direito interno9. No caso da prisão civil do depositário infiel, o STF firmou entendimento de que o Pacto de San José da Costa Rica possui status normativo supralegal, tornando, assim, inaplicável legislação infraconstitucional que conflite com seus dispositivos, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.
Para a Suprema Corte, as normas internacionais ratificadas pelo Brasil e que versem sobre direitos humanos detém status supralegal, estando compreendidas hierarquicamente entre as leis ordinárias/complementares e o texto constitucional.
Neste ponto, Valério Mazzuoli afirma que, de acordo com a sistemática internacional de proteção dos direitos humanos, não há falar em qualquer prevalência de uma norma interna – inclusive a Constituição do Estado – sobre uma norma internacional de proteção, seja essa última proveniente do sistema global ou de algum dos sistemas regionais, se mais favorável ao ser humano (princípio pro homine). As conquistas já implementadas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos nesse sentido não retrocedem em face de qualquer posicionamento doutrinário ou jurisprudencial em contrário, uma vez que até mesmo a Constituição de um dado Estado é considerada um simples fato diante o sistema internacional de proteção.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em várias ocasiões, já se expressou nesse sentido e firmou jurisprudência sobre o assunto. Assim, no caso A Última Tentação de Cristo Vs. Chile a Corte entendeu que a responsabilidade internacional de um Estado pode decorrer de atos ou omissões de qualquer um de seus poderes ou órgãos, independentemente de sua hierarquia, mesmo que o fato violador provenha de uma norma constitucional (no caso, o art. 19, nº 12, da Constituição chilena, que estabelecia a censura prévia na produção cinematográfica, em flagrante violação ao art. 13 da Convenção Americana, que garante o direito de liberdade de pensamento e de expressão).
Essa mesma doutrina foi reafirmada pela Corte na Opinião Consultiva 14, de 9 de dezembro de 1994, quando atendeu a uma consulta da Comissão Interamericana relativamente à responsabilidade internacional de um Estado pela expedição e aplicação de leis violadoras da Convenção Americana. O objeto da consulta dizia respeito ao art. 4º, §§ 2º e 3º, da Convenção Americana, os quais contemplam restrições à pena de morte e impedimento de seu restabelecimento nos Estados que a hajam abolido, tendo concluído a Corte que a expedição de uma lei manifestamente contrária às obrigações assumidas por um Estado ao ratificar ou aderir à Convenção constitui uma violação desta, acarretando, de per si, a responsabilidade internacional do Estado infrator.
O art. 28 da Convenção disciplina a “cláusula federal”, ou seja, quando se tratar de um Estado Federal, o governo nacional deve cumprir todas as disposições da Convenção. Por exemplo, no caso brasileiro, não pode a República Federativa do Brasil alegar não ter responsabilidade sobre o ato de um Estado-membro ou Município da federação. Por sua vez, o art. 29 do documento traz as normas de interpretação, determinando que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada para permitir a qualquer dos Estados, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção.
1.13. OBJETO
O Pacto de São José da Costa Rica tem por escopo a previsão e a proteção aos direitos civis e políticos.
O art. 26 da Convenção Americana faz menção à progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, mas de forma genérica. Esses direitos estão disciplinados no Protocolo de San Salvador em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
CAPÍTULO III
DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
Artigo 26. Desenvolvimento progressivo:
Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.
1.14. ENUMERAÇÃO DE OBRIGAÇÕES AOS ESTADOS-PARTES
Em seus aspectos iniciais, a Convenção Americana enumera as obrigações dos Estados-partes na observância dos direitos consagrados.
ARTIGO 1
1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.
Essa é a cláusula que norteia os documentos internacionais de proteção aos direitos humanos, com a imposição de respeito estatal aos direitos e liberdades reconhecidos, sem discriminações ou óbices que impeçam o exercício e a proteção de toda pessoa sujeita à sua jurisdição.
O dever de garantir os direitos consagrados na Convenção Americana foi destacado no Caso Escher e outros Vs. Brasil, com sentença em 6 de julho de 2009, conforme o parágrafo 219, a saber: “a Corte considera que os Estados-Partes devem assegurar o respeito e a garantia de todos os direitos reconhecidos na Convenção Americana a todas as pessoas sob sua jurisdição, sem limitação nem exceção alguma com base na referida organização interna. O sistema normativo e as práticas das entidades que formam um Estado federal Parte da Convenção devem estar conformes com a Convenção Americana”.
Não há que se falar em limitações e exceções na legislação interna que descaracterizem o exercício dos direitos e liberdades enunciados pela Convenção Americana. Do mesmo modo, em Estados federativos – como o Brasil – que eventualmente tenham singularidades em suas disposições internas, essas igualmente devem estar em conformidade com as prescrições elencadas na Convenção Americana.
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