#1 Gabaritando Direito Civil: Negócio Jurídico

Olá megeano(a)!

Direito Civil é matéria importantíssima para concursos públicos, há um leque extenso sobre temas que vem sendo cobrados nos principais certames do país. Começaremos a série Gabaritando Civil, tratando sobre Negócio Jurídico, seu conceito, classificação, elementação e representação. Estudaremos esse importante tema, atentando-se para cada detalhe. Vem conosco!

NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico seria “toda declaração de vontade, emitida de acordo com o ordenamento legal, e geradora de efeitos jurídicos pretendidos”. Segundo Flávio Tartuce, seria um ato jurídico em que há uma composição de interesses das partes com uma finalidade específica.

O negócio jurídico constitui a principal forma de exercício da autonomia privada, da liberdade negocial, sendo o fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que todo o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.

1. NOTAS SOBRE A “VONTADE”

Em relação à vontade enquanto elemento de formação do negócio jurídico, muito se debateu sobre a hipótese de divergência entre a vontade declarada e a vontade real, tendo se apresentado duas teorias:

a) Teoria da vontade interna ou voluntarista, para a qual importa a “verdade interna” do agente, a vontade real;

b) Teoria da vontade externa ou da declaração, para a qual importa a vontade declarada.

A maioria da doutrina adota uma posição intermediária entre as acenadas teorias, compatibilizando a vontade pretendida (vale dizer, afasta-se a exclusiva interpretação literal) com a vontade externada, a exemplo do art. 112 do Código Civil.

Cristiano Chaves, Rosenvald e Felipe Braga Netto vão além, afirmando que hoje não basta a intenção, tampouco a vontade, e apontam o art. 113 do CC, ressaltando a importância da boa-fé e dos usos como guias para a interpretação do negócio jurídico.

O art. 113 do CC traz a função de interpretação da boa-fé objetiva.

Assim, propõem os festejados autores que passemos “(…) por três etapas:

a) investigação, pelo juiz, da vontade real (subjetiva, interna) das partes;

b) atendimento àquilo que foi declarado, produzindo vínculos;

c) análise, atualmente, não só da intenção ou da declaração, mas também dos contextos negociais (verificação, por exemplo, da desigualdade material entre os contratantes.

Em relação à manifestação da vontade, a doutrina destaca três questões que merecem maior aprofundamento, quais sejam, a “reserva mental”, as “declarações não sérias” e o “silêncio”.

Reserva mental entende-se a hipótese em que a vontade declarada destoa da vontade real, tendo o agente o objetivo de enganar a contraparte do negócio jurídico, ainda que não gere prejuízos ao enganado.

O Código Civil de 2002, em regra inovadora, disciplinou o tema em seu art. 110, estabelecendo ser irrelevante a reserva mental, salvo se a outra parte dela tinha conhecimento. Assim, caso aquele que emite a declaração de vontade faça a reserva mental, vale a vontade declarada, sendo inoponível a reserva ao suposto enganado. Por outro lado, se ambas as partes conheciam a reserva, estar-se-ia diante de simulação ou vício semelhante.

– Declarações não sérias entende-se a hipótese em que não existe a intenção de conclusão do negócio.

– Silêncio: que nos termos do art. 111 do CC, “importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. Convém destacar outras regras do CC sobre os efeitos do silêncio, previstas nos arts. 147, 326, 432, 539, 659 e 1.807, que devem ser lidos oportunamente.

2. INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem. Logo, o aplicador do direito deve sempre buscar o que as partes queriam de fato, quando celebraram o negócio, até desprezando, em certos casos, o teor do instrumento negocial.

Esse dispositivo relativiza o pacta sunt servanda, trazendo, em seu conteúdo, a teoria subjetiva de interpretação dos contratos e negócios jurídicos, em que há a busca da real intenção das partes no negócio jurídico.

Interpretação conforme a boa-fé – art. 113 do CC – Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Esse dispositivo valoriza a teoria objetiva da interpretação dos contratos e negócios jurídicos e representa a função interpretativa da boa-fé objetiva.

Em 2019, o art. 113 recebeu dois parágrafos por força da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), trazendo outros critérios para a interpretação dos negócios jurídicos em geral.

No que tange à interpretação do negócio jurídico, convém destacar a norma contida do art. 114 do CC, fixando regra de interpretação estrita para os negócios jurídicos benéficos e a renúncia.

A doutrina aponta que o princípio da conservação do negócio jurídico, positivado no art. 184 do CC e também presente no art. 51, parágrafo 2º do CDC, deve estar sempre presente quando da análise do negócio jurídico, buscando atender à efetividade do contrato.

3. CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

São variadas as classificações propostas pela doutrina, sendo as mais utilizadas:

a) Unilaterais, bilaterais e plurilaterais: unilaterais são aqueles que se aperfeiçoam com a manifestação de uma única vontade (testamento, codicilo, promessa de recompensa); bilaterais são aqueles em que há necessidade de manifestação de vontade de duas partes acerca de um objeto, ao passo que plurilaterais é nomenclatura utilizada para a hipótese em que há mais de duas partes na relação negocial.

b) Receptícios e não receptícios: classificação que leva em conta a necessidade de a declaração de vontade chegar ao conhecimento da contraparte para que produza efeitos. Será receptício aquele negócio jurídico que depender, para produzir efeito, do conhecimento da contraparte (a exemplo da resilição de um contrato), ao passo que será não receptício o negócio jurídico que não depender do conhecimento da contraparte para a sua perfectibilização (a exemplo do testamento).

c) Onerosos (comutativos e aleatórios), gratuitos, bifrontes ou neutros: classificação que tem como critério as vantagens patrimoniais aos envolvidos. São gratuitos aqueles em que houve um ato de liberalidade; são onerosos aqueles em que há direitos e obrigações para ambas as partes; serão bifrontes aqueles que podem assumir caráter de gratuitos ou onerosos, a depender da vontade das partes (a exemplo do contrato de depósito). Por fim, os negócios jurídicos neutros não revelam atribuição patrimonial, motivo pelo qual não são tidos por gratuitos ou onerosos; são negócios jurídicos em que há uma destinação especial de um bem.

d) Causa mortis e inter vivos: os primeiros dependem do evento morte para produzir efeitos (exemplo do testamento), ao passo que os negócios jurídicos do segundo tipo produzem efeitos sem que esse evento se implemente.

e) Principais e acessórios: classificação que leva em conta eventual relação de dependência entre um contrato e outro. Exemplo da fiança, que é um contrato acessório em relação àquele contrato de que serve de garantia, tido como contrato principal.

f) Solenes (formais) e não solenes (informais): trata-se de classificação que leva em conta a exigência de determinada forma para a celebração do negócio jurídico, o que se dá em razão de o ordenamento jurídico reconhecer a necessidade de melhor documentar determinados negócios jurídicos. A regra, na forma do art. 107 do CC, é que o negócio jurídico seja não solene (informal).

g) Pessoais e impessoais: pessoais são aqueles celebrados em razão de característica própria de uma das partes, não podendo ser prestado por terceiro (ex: show de determinado cantor), ao contrário dos impessoais.

h) Causais e abstratos: os negócios jurídicos causais são aqueles que se mantêm ligados à causa de sua pactuação, a exemplo dos contratos; ao passo que abstratos são aqueles que se desvinculam de sua causa, produzindo efeitos de forma independente do contrato que lhes deu origem, a exemplo dos títulos de créditos.

i) Consensuais e reais: são consensuais os que se perfectibilizam com a declaração de vontade, a exemplo do contrato de compra e venda, ao passo que reais são aqueles que demandam a entrega do objeto para a sua concretização, a exemplo do comodato.

j) Constitutivos e declarativos: classificação que leva em conta o momento em que os efeitos do negócio jurídico se produzem – os constitutivos geram efeitos ex nunc, vale dizer, não retroagem, ao passo que os declarativos geram efeitos ex tunc, vale dizer, retroagem ao momento em que o objeto do contrato se implementou.

k) Típicos e atípicos: são típicos aqueles que estão previstos em lei, ao passo que atípicos aqueles que não estão; nesse sentido, cabe lembrar que o art. 425 do CC permite a pactuação de contratos atípicos.

l) Simples e mistos: entende-se por simples os negócios jurídicos marcados por uma única causa, e mistos os negócios jurídicos “que resultam de uma reunião de vários negócios jurídicos, com causas ou funções econômico-sociais potencialmente distintas, como a locação de uma loja em shopping center” (Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Netto).

4. ELEMENTOS DO NEGÓCIO JURÍDICO E PLANOS DE ANÁLISE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Representando a escada ponteana, podemos assim ilustrar:

Passamos a estudar cada um dos elementos em separado.

5. Elementos essenciais do negócio jurídico: plano da existência e da validade

O Código Civil não sistematiza um “plano de existência”; em verdade a norma contida no artigo 104 do CC, a um só tempo, anuncia os elementos essenciais do negócio jurídico e os requisitos para que seja válido. A distinção é doutrinária, e facilita ao intérprete distinguir as hipóteses de inexistência, validade e invalidade do negócio jurídico.

O que importa é que pela análise do art. 104 é possível reconhecer o requisito de existência (agente, objeto, forma e “vontade”, acrescentada pela doutrina) e o adjetivo que a ele se agrega para fins de conferir validade.

  • Vontade livre e de boa-fé: como se depreende da leitura do dispositivo, a lei elenca apenas 3 requisitos essenciais; a doutrina elenca a vontade como elemento essencial do negócio jurídico, destacando que para a existência do negócio jurídico há que se atender à manifestação de vontade, e que para a validade dessa manifestação de vontade seja satisfeita, impõe-se a atenção à liberdade do agente e a sua boa-fé.
  • Agente capaz: convém destacar aqui que a incapacidade absoluta gera a nulidade do negócio jurídico (CC, art. 166, I), ao passo que a relativa gera a anulabilidade (CC, art. 171, I); ainda, que os relativamente incapazes são assistidos na celebração do negócio jurídico ao passo que os absolutamente incapazes são representados (CC, art. 1.690).
  • Objeto lícito, possível, determinado ou determinável:

a) Em relação à licitude: o negócio jurídico que for contrário à ordem jurídica será considerado ilícito, vale dizer, ainda que tenha existência social não terá proteção jurídica. A doutrina moderna destaca que também serão ilícitos os negócios jurídicos que atentem contra a autodeterminação humana;

b) Em relação à possibilidade: a impossibilidade pode ser física (exemplo clássico: venda de terreno na lua) ou jurídica (exemplo: venda de bem público de uso comum do povo). No que concerne à impossibilidade, o art. 106 do CC traz regra importante, distinguindo as consequências da impossibilidade relativa da absoluta;

c) Em relação à determinabilidade do objeto: é imprescindível que o objeto sobre o qual recairá o negócio jurídico seja individualizado ou passível de individualização.

  • Forma prescrita ou não defesa em lei: em regra, a forma do negócio jurídico é livre, o que só se altera em caso de expressa determinação legal (art. 107). É possível ainda que a vontade das partes imponha a exigência de instrumento público, na forma do art. 109 do CC.

6. Elementos acidentais do negócio jurídico: plano da eficácia

São elementos acidentais do negócio jurídico a condição, o termo e o encargo ou modo (arts. 121 a 137 do CC).

a) Condição: nos termos do art. 121 do CC, consiste na “cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.

Evento futuro e incerto é aquele previsto para um tempo posterior e que pode ou não ocorrer (ex.: casamento).

A doutrina aponta a seguinte classificação das condições:

a.1) Quanto à licitude: são lícitas “(…) todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes” (art. 122 do CC) e ilícitas o oposto.

a.2) Quanto à possibilidade: assim como o objeto, podem se apresentar como física ou juridicamente impossíveis. Em relação ao tema, interessante notar os arts. 123, I e 124 do CC, que podem causar confusão, motivo pelo qual a leitura de ambos deve ser feita de forma conjunta.

a.3) Quanto à fonte: causais, potestativas ou mistas. As primeiras são fruto do acaso. As potestativas são aquelas derivadas da vontade humana, podendo se apresentar de duas formas: puramente potestativas (consideradas ilícitas, na forma do art. 122 do CC, por “dependerem de puro arbítrio de uma das partes”) ou simplesmente potestativas, essas últimas admitidas. Por fim, as mistas são condições que dependem concomitantemente da vontade de uma das partes e da vontade de um terceiro, estranho à relação jurídica.

a.4) Quanto ao modo de atuação: suspensivas ou resolutivas, sendo as primeiras aquelas que impedem que o ato produza efeito enquanto não implementado um evento futuro e incerto, ao passo que as resolutivas põem fim ao negócio jurídico quando implementadas.

Condição Suspensiva: Art. 125 do CC – Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa. Dessa forma, enquanto a condição não ocorre, o titular do direito eventual tem apenas uma expectativa de direito.

Condição Resolutiva: Art. 127 do CC – Se for resolutiva a condição, enquanto esta não ocorrer, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

b) Termo: é o marco temporal que dá início ou fim ao negócio jurídico; ao contrário da condição, é um evento futuro e certo. O art. 131 do CC estabelece nítida distinção entre o termo e a condição.

ATENÇÃO! Nos termos do art. 131 do Código Civil em vigor, o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito, o que diferencia o instituto em relação à condição suspensiva.

c) Encargo: hipótese em que se impõe uma obrigação ou um ônus ao beneficiário de determinado negócio jurídico, o que se dá em negócios que revelam liberalidade de uma das partes (doação, promessa de recompensa, etc.). Descumprido o encargo será possível a revogação da liberalidade.

O encargo ou modo é o elemento acidental do negócio jurídico que traz um ônus relacionado com uma liberalidade. É um ônus/encargo que deve ser suportado pela parte para o negócio produzir efeitos.

7. REPRESENTAÇÃO

O instituto da representação cuida da situação em que determinado sujeito de direito atua juridicamente em nome de outro sujeito.

Os poderes derivados de representação conferem-se por lei ou pelo interessado, nos termos do art. 115 do CC, que acolhe a clássica distinção entre representação legal e a convencional.

Vinculação à Representação – art. 116 do CC – A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado.

O art. 117 do CC dispõe sobre a hipótese designada pela doutrina de “negócio consigo mesmo”. Pensemos no seguinte exemplo: A constitui B como representante para realização de um negócio jurídico de compra e venda de um carro; B, agindo em nome de A, aliena o seu próprio carro para A. Nos termos da lei, o referido negócio jurídico será anulável, independentemente de prejuízo ao representado.

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