Recuperação Judicial. Entenda o porquê e quando pedi-la.

Olá megeanos(as)!

Recentemente veio à tona uma possibilidade de Recuperação Judicial da Americanas que agitou o mercado e todo Brasil, a varejista conseguiu na sexta-feira (13/01) uma medida cautelar que suspende a cobrança de dívidas da companhia para que, dentro de um prazo de 30 dias, apresente um pedido de recuperação judicial. Possivelmente será a medida tomada pela holding brasileira. 

Muitos alunos em nosso instagram já pediam posts sobre o assunto. Então, aproveitando o tema, vamos fazer um breve estudo sobre Direito Falimentar, disposições comuns à Recuperação Judicial e à Falência ?

 

  • NORMAS GERAIS DO DIREITO FALIMENTAR E RECUPERACIONAL

Primeiro, é importante indicar qual a legislação que rege a matéria atualmente. Substituindo o Decreto-lei 7.661/1945, a legislação aplicável ao direito falimentar é a Lei 11.101/2005, recentemente modificada pela Lei 14.112/2020.

Nesse contexto, é importante pontuar que nunca houve citação expressa de todos os artigos da Lei 11.101/2005, pois este material sempre foi focado nas provas de concursos. Assim, não haverá citação expressa de todas as modificações trazidas pela Lei 14.112/2020, apenas sobre as modificações mais relevantes, tornando o material de vocês ainda mais direcionado para a prova.

O direito falimentar é um ramo específico do Direito de Empresa, assim, é importante atentar que ele só se aplica aos empresários, sejam eles empresários individuais ou pessoas jurídicas. O devedor civil não passa por falência, mas por insolvência.

De acordo com o art. 2º da LFRE, o regime disciplinado na Lei não se aplica a: empresa pública, sociedade de economia mista, instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

A finalidade do Direito Falimentar é disciplinar a crise econômico-financeira dos empresários, solucionando-a através do regime recuperacional ou através do processo de falência.

O foro competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência, de acordo com o art. 3º da LFRE, é o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil, no caso da Americanas será no Rio de Janeiro (RJ).

A doutrina, definindo o que é o principal estabelecimento empresarial, aponta que deve ser considerado o local onde o devedor possui o maior volume de negócios. Importante salientar que, para o STJ, trata-se de caso de competência absoluta, que tem como marco temporal o momento da propositura da demanda, sendo irrelevantes as posteriores modificações de volume negocial.

OFICIALECONÔMICOADMINISTRATIVO
Domicílio oficial da empresa, indicado no contrato social (sede)Local onde ocorre o maior número de negócios da sociedade.Sede administratitva dos negócios (tomada de decisões + contabilidade)

ATENÇÃO! Enunciado 466 da V Jornada de Direito Civil: “para fins do Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro público”.

Uma novidade trazida na Lei 14.112/2020, é que agora a LFRE passa a disciplinar a insolvência transnacional, nos artigos 167-A a 167-Y. A insolvência transnacional ocorre quando um empresário ou empresa falida ou em recuperação judicial possui ativos em países estrangeiros. Como se vê, nestes casos, a cooperação jurisdicional internacional é fundamental para permitir a recuperação destes ativos e a satisfação dos credores.

O artigo 167-D manteve a mesma regra geral adotada no artigo 3º, determinando que “o juízo do local do principal estabelecimento do devedor no Brasil é o competente para o reconhecimento de processo estrangeiro e para a cooperação com a autoridade estrangeira”.

  • APLICAÇÃO DO CPC NO PROCEDIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIAS

Dito isso, é importante falar agora sobre a aplicação do CPC no procedimento da falência e recuperação judicial. O art. 189 da LFRE determina que, no que for compatível, o CPC tem aplicação subsidiária aos procedimentos previstos nesta Lei (LFRE). 

Importante lembrar os temas mais polêmicos que surgiram sobre a aplicação do CPC aos processos de falência e recuperação judicial: cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias e sobre a contagem dos prazos em dias úteis ou dias corridos.

Sobre a contagem dos prazos, o STJ, pela sua 4ª Turma (REsp. 1.699.528/MG), fixou o entendimento de que “A forma de contagem do prazo – de 180 dias de suspensão das ações executivas e de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial – em dias corridos é a que melhor preserva a unidade lógica da recuperação judicial: alcançar, de forma célere, econômica e efetiva, o regime de crise empresarial, seja pelo soerguimento econômico do devedor e alívio dos sacrifícios do credor, na recuperação, seja pela liquidação dos ativos e satisfação dos credores, na falência.”

Quanto ao cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias, a jurisprudência firmou entendimento, em recurso repetitivo (REsp. 1.707.066), pelo seu cabimento, dizendo que o cabimento do agravo de instrumento dava-se por força do art. 1.015, parágrafo único, do CPC; ressalte-se que no mesmo sentido, dizia o enunciado 69 da I Jornada de Direito Processual Civil.

Art. 1.015, CPC: Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

(…)

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Com a inclusão do § 1º no art. 189 da LFRE pela Lei 14.112/2020, essas discussões foram resolvidas de uma vez por todas, uma vez que a legislação passou a prever expressamente a contagem dos prazos em dias corridos e o cabimento de agravo de instrumento em todas as decisões proferidas nos processos da LFRE, exceto quando a própria Lei prever de forma diversa.

  • ADMINISTRADOR JUDICIAL

Outra figura (extremamente importante) que se aplica na falência e na recuperação judicial é o administrador judicial. Depois do juiz, é a figura mais importante na condução do processo falimentar. Além de representante legal da massa, o rol do art. 22 da LFRE prevê as atribuições exclusivamente administrativas do administrador judicial.

Dito de outro modo, o juiz permanece como presidente da falência ou da recuperação judicial, porém é auxiliado pelo administrador judicial, possuindo uma vasta lista de responsabilidades, como prestar contas mensais ao juiz, verificar os créditos. A reforma da LFRE inseriu novas atribuições para o administrador judicial, dando nitidamente uma maior autonomia ao administrador judicial.

Uma atribuição do administrador judicial que merece destaque é o dever de “receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que não for assunto de interesse da massa”. A doutrina majoritária defende a inconstitucionalidade desta norma. A jurisprudência, por sua vez, entende que a inconstitucionalidade recai unicamente em caso de empresário individual, pois, na hipótese de sociedade empresária, o administrador judicial é representante temporário da pessoa jurídica, não havendo mácula ao sigilo previsto na CF/88.

Outra função do administrador judicial que merece destaque é o seu dever de estimular, “sempre que possível, a conciliação, a mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência, respeitados os direitos de terceiros, na forma do § 3º do art. 3º da Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”.

A escolha do administrador judicial deve recair em “profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada” (LFRE, art. 21). Quero que atentem, queridos alunos, que a Lei não exige formação específica para o administrador judicial; há, no caso, uma preferência legal, que o magistrado deve considerar.

Ainda, o encargo de administrador judicial é indelegável, mas, mediante autorização do juiz, é possível a contratação de profissionais auxiliares (LFRE, art. 22, inciso I, alínea “h”).

A remuneração do administrador é fixada pelo magistrado, atendendo os critérios de: capacidade de pagamento, grau de complexidade do trabalho e valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes (LFRE, art. 24). Os valores serão pagos pela massa falida (em caso de falência) ou pelo devedor (caso seja uma recuperação judicial) e, em regra geral, não poderá exceder a 5% do valor da venda dos bens, sendo que 40% da remuneração deve ser paga somente após a prestação final de contas.

Diferente disso, ocorre no caso de Empresa de Pequeno Porte e Micro Empres a, bem como no pedido de recuperação judicial formulado por produtor rural com valo r da causa inferior a quatro milhões e oitocentos mil reais (LFRE, art. 70-A), a remunera ção do administrador judicial ficará reduzida ao limite de 2%.

O administrador é considerado funcionário público para fins penais e, portanto, responde civilmente pela má administração ou infração à lei. Somente a massa tem legitimidade ativa para responsabilizá-lo, após a substituição ou destituição. Durante o processo, o credor pode apenas pedir a destituição, mas encerrada a falência, poderá, individualmente, acionar o administrador (desde que tenha requerido, oportunamente, sua destituição).

  • ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES

A assembleia-geral de credores foi criada na Lei 11.101/05 para garantir uma maior participação dos credores nos processos de falência e recuperação judicial. As atribuições básicas da assembleia (LFRE, art. 35) compreendem: aprovar a constituição de comitê de credores e eleger seus membros, adotar modalidades extraordinárias de realização do ativo e deliberar sobre assuntos de interesse geral dos credores.

A assembleia-geral de credores é dividida em quatro classes (LFRE, art. 41): titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; titulares de créditos com garantia real; titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; e, titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.

Alguns credores podem fazer parte de duas classes distintas, como é o caso dos credores com garantia real, quando o crédito superar o valor do bem gravado. Nessa situação, o credor participará e votará na segunda classe até o limite do bem gravado e na terceira classe, com o valor restante do crédito.

Importante atentar que não há citação da Fazenda Pública em qualquer classe. Isso ocorre pois os créditos tributários, em regra, não estão sujeitos a habilitação e a execução fiscal não é suspensa por força de falência ou recuperação judicial.

Conforme o art. 42 da LFRE, “considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia-geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso I do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.”

A Lei 14.112/2020 trouxe importantes e necessárias mudanças às deliberações da assembleia-geral, facultando a substituição destas, com idênticos efeitos, por: “termo de adesão firmado por tantos credores quantos satisfaçam o quórum de aprovação específico, nos termos estabelecidos no art. 45-A desta Lei; votação realizada por meio de sistema eletrônico que reproduza as condições de tomada de voto da assembleia-geral de credores; ou outro mecanismo reputado suficientemente seguro pelo juiz” (LFRE, art. 39, § 4º).

Nesses casos, o administrador judicial deve fiscalizar as deliberações e emitir parecer sobre sua regularidade, previamente à  sua homologação judicial, independente de concessão ou não da recuperação (LFRE, art. 39, § 5º).

Ainda, o novo artigo 45-A determina que “as deliberações da assembleia-geral de credores previstas nesta Lei poderão ser substituídas pela comprovação da adesão de credores que representem mais da metade do valor dos créditos sujeitos à recuperação judicial, observadas as exceções previstas nesta lei.

Com relação ao credor que possua seu crédito sub judice, a lei de regência determina que ele poderá votar na assembleia, uma vez que as deliberações da assembleia geral não serão invalidadas em razão de posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação ou classificação dos créditos (LFRE, art. 39, §2º).

Com relação ao controle jurisdicional sobre as decisões da assembleia-geral, a jurisprudência do STJ (REsp. 1.314.209-SP) já decidiu que as deliberações são soberanas, não cabendo ao judiciário rever o mérito das decisões. Contudo, é cabível ao judiciário fazer um controle de legalidade das deliberações, posto que as deliberações da assembleia-geral estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral.

  • COMITÊ DE CREDORES

O comitê de credores tem a função de fiscalizar o administrador judicial.

COMPOSIÇÃO DO COMITÊ DE CREDORES:

a) um representante indicado pela classe de credores trabalhistas.
b) um representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais.
c) um representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais.
d) um representante indicado pela classe microempresas e empresas de pequeno porte.

Como cada representante será eleito pela assembleia, com 2 suplentes, o comitê terá, em regra, quatro membros. Sabendo que, ele pode funcionar com menos membros, caso alguma das classes de credores não indique representante.

Importante atentar que o comitê de credores é um órgão facultativo e, em não havendo comitê, caberá ao administrador judicial ou ao juiz, caso haja incompatibilidade daquele, exercer as atribuições do comitê de credores.

Por último, os membros do comitê não são remunerados pelo devedor em recuperação judicial ou pela massa falida, ressalvado o caso de despesas comprovadas e autorizadas pelo magistrado (LFRE, art. 29).

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