Olá megenos(as)!
Futuro Delta, vamos gabaritar criminologia? Estudaremos hoje sobre os objetos da criminologia, um tema bastante debatido nos concursos para Delegado de Polícia. Vale lembrar no post passado comentamos sobre o conceito e os métodos da criminologia, caso não tenha visto, basta clicar aqui.
1. OBJETOS DA CRIMINOLOGIA
São 4 (quatro) os objetos da criminologia:
- Crime
- Criminoso
- Vítima
- Controle Social
De acordo com Eduardo Viana (2020) à ciência criminológica resta identificar o traço particularizante do conceito. Essa não é uma tarefa fácil, pois as diversas compreensões da ciência criminológica são terreno fértil para a proliferação dos conceitos, daí porque o primeiro problema do conceito de delito é, certamente delimitar seu alcance, especialmente em confronto com o Direito Penal.
“O que, então, deve-se compreender como delito para a Criminologia? Essa resposta […] não é unívoca. Aliás, trata-se de tarefa complexa, afinal, sendo o delito uma entidade jurídica – para usar a expressão de Carrara – vem à tona, fatalmente, a reflexão sobre a contradição de uma ciência empírica enfrentar um conceito jurídico. Seja como for, salvo melhor juízo, duas razões obrigam a investigar o conceito próprio para a criminologia: primeiro, o fato do objeto (delito) ser determinado por valoração jurídica pode constituir, apenas, o ponto de partida em um diminuto campo de eventos criminalizáveis, mas não o ponto de chegada do conceito criminológico; como consequência, a autonomia científica alcançada pela Criminologia permite que ela mesma determine e delimite, em certa medida, seu objeto. Estas duas razões, segundo penso, são razoáveis para superar a (aparente) contradição”.
1.1 CRIME
O primeiro ponto que deve ser observado é que criminologia e direito não tratam do delito com o mesmo viés. No Direito Penal, crime é ação ou omissão, típica, antijurídica e culpável (conceito tripartido de crime) – puro juízo de subsuntivo do fato à norma. Já para a criminologia, o delito deve ser encarado como um fenômeno comunitário e como um problema social.
Dessa forma o crime é “natural”, é um fato da vida (como alhures citado) e assim deve ser encarado pelos operadores do Direito, sob o viés criminológico. A doutrina, nessa senda, costuma trazer, pelos variados modos de conceituar o crime na criminologia com autonomia, determinados parâmetros para se firmar o delito. É dizer: para a criminologia crime é (…).
Nesse prognóstico, identificamos o que é o fenômeno criminológico. Para a criminologia, crime ocorrerá quando: houver incidência massiva, incidência aflitiva, persistência espaço temporal, inequívoco consenso a respeito da sua etiologia e eficazes técnicas de intervenção e, por último, consciência generalizada sobre sua negatividade.
Olha só Delta! Isso cai. Vamos revisar os parâmetros para a criminologia, sobre quando o fato será delitivo.
- Incidência Massiva
- Incidência Aflitiva
- Persistência Espaço Temporal
- Inequívoco Consenso
- Consciência Generalizada da Negatividade
1.1.1 Incidência Massiva
O crime não deve ser analisado por um fato isolado, que ocorre apenas em um determinado local de um país, mesmo que a ação do agente seja abjeta (horrenda, ordinária, hedionda). Dessa forma, se a ação de um agente não se reitera, não ocorre várias e várias vezes, não há que se falar em incidência massiva.
Um importante exemplo é dado por Shecaira (2020). Olha só Delta que ótima análise para compreensão deste tópico:
“Um exemplo disso aconteceu, anos atrás, no litoral do Rio de Janeiro. Houve um encalhe de um filhote de baleia em uma praia carioca e um dos banhistas, que por ali passava, introduziu um palito de sorvete no orifício de respiração do animal. Pouco tempo depois, por pressão de entidades ambientalistas, o Congresso Nacional aprovou uma lei de cinco artigos (Lei 7.643/1987) em que se descrevia a suposta conduta praticada por aquele banhista: molestamento intencional de cetáceo (art. 1.° com a atribuição de uma pena de 2 a 5 anos). Nem se pretende fazer a crítica do verbo utilizado para descrever a conduta praticada por aquele agente, mas tão somente destacar a impropriedade de, por ocorrência única no País, promover aquele fato à condição de crime”.
Note que é até possível, por uma única ação do agente, ocorrer uma mobilização social que induza na construção de uma lei. Contudo, para ser crime, essa ação deve ser reiterada na sociedade, e tal comportamento deve ser titularizado (protegido) pela seara penal.
1.1.2 Incidência Aflitiva
Delta, isso quer dizer o seguinte: o crime deve causar repulsa. Podemos afirmar que é normal que o delito produza dor, quer à vítima ou á sua família e comunidade social inserida. Então, é totalmente desarrazoado que um fato sem relevância social (repulsa) seja punido na esfera penal.
Alinhado a este tópico, lembre-se do princípio da fragmentariedade no direito penal. O direito penal só deve ser usado no momento em que falham todos os demais ramos do direito, à saber: civil, administrativo, trabalhista, empresarial, e etc.
Vamos novamente à obra de Shecaira (2020) para vislumbrar um perfeito exemplo que apresenta bem este elemento:
“Exemplo da inexistência da dor, que deve ser ínsita ao crime, é a lei que pune todos aqueles que utilizam, inadequadamente, a expressão “couro sintético”. É evidente que o vocábulo couro sintetiza a ideia da procedência animal. No entanto, provavelmente atendendo aos interesses econômicos de empresários dessa área de produção, convencionou-se punir aqueles que, para descreverem os tecidos sintéticos assemelhados ao couro, passassem a denominá-lo de “couro sintético”. Qual a incidência aflitiva para a comunidade em denominar um tecido que não é de procedência animal como o sendo?”
Respondendo à indagação do autor, nenhuma, certo Delta? Dito o que é incidência aflitiva, vamos ao terceiro parâmetro.
1.1.3 Persistência Espaço Temporal
Este terceiro parâmetro coaduna super bem com os dois iniciais. O crime deve acontecer no espaço-tempo, e não ser tratado como um fato isolado em um determinado momento (não confundir com lei temporária e excepcional).
Dessa forma, não há como considerar crime uma situação que, ainda que seja massiva e aflitiva, não se distribui por todo o espaço territorial brasileiro ao longo de um certo tempo.
O Poder Legislativo, como entendido no Direito Penal, precisa fugir do direito penal do autor, de caráter subjetivo e diretivo, seletivo, indo em rumo de um direito penal do fato, da situação, da coisa crime. Essa tentativa, por óbvio, exige do legiferante esta percepção: Há que tempo que isso ocorre? Como vem ocorrendo? Onde vem ocorrendo? Por que vem ocorrendo?
Agora vamos ao quarto parâmetro, tendo em vista que o quinto é, conceitualmente, uma associação da incidência aflitiva e incidência massiva. Ou seja, há consciência geral da negatividade pela sociedade daquela ação.
1.1.4 Inequívoco Consenso
Outro elemento a exigir-se para a configuração de um fato como delituoso é que haja um inequívoco consenso sobre a sua etiologia8 e de quais as técnicas de intervenção na sociedade seriam eficazes para o controle dessa ação.
Tomemos como exemplo o uso do álcool. Seguramente poderíamos qualificar o álcool como uma droga lícita, mas uma droga que produz profundas consequências não somente para todos os dependentes, bem como para todos quantos têm que se relacionar com o adicto. Não se tem dúvida, pois, de que o uso indiscriminado de bebidas alcoólicas produz consequências massivas, aflitivas, e de que tais consequências têm uma persistência espaço-temporal. Mas quantos estudiosos sérios proporiam a criminalização do uso ou contrabando do álcool?
Quantos cometeriam o mesmo erro do passado, no período da Lei Seca nos Estados Unidos? Sem dúvida, não são todos os fatos que, aflitivos e massivos, com persistência espaço-temporal, devem ser considerados crimes. Na realidade, qualquer reforma penal deveria averiguar o preenchimento dos critérios acima elencados para a verificação do juízo de necessidade da existência de cada fato delituoso.
1.2 CRIMINOSO
Não há como negar, Delta, que o agente criminoso é o centro do debate quando o assunto é o crime ou a criminologia. E quem fez isso? Lembra lá… DETERMINISMO LOMBROSIANO. A ideia de Cesare Lombroso levou o indivíduo para o cerne da questão criminológica.
É importante você ter em mente que as ideias científicas da época, darwinismo, foram fundamentais para imagética do antropólogo sobre o agente do crime como um ser atávico, que deveria ser analisado por sua forma física, não factual e social.
O que ocorreu? Uma objetificação do homem, que por aspectos fisiológicos
assumia a faceta de “ladrão”, “homicida”, “estuprador”, dentre outras.
Tenha em mente, para além dessa visão lombrosiana, que o delinquente assume vários conceitos a depender da escola e pensamento filosófico que o define. Para o correcionalismo (que será melhor estudado por este curso), por exemplo, o delinquente é tido como uma pessoa que precisa de cuidados, desapoiada, inválido e incapaz. Ou seja, o Estado deveria tomar as vezes na vida desse indivíduo e preservar sua humanidade para o convívio social curado.
Noutra monta, o marxismo vê o criminoso como alguém injustiçado, largado à sorte e vítima do capitalismo selvagem, que não dá escolhas, que mata e reduz o homem à pecúnia. A culpa do crime não é do criminoso, mas da sociedade capitalista que alimenta um padrão de vida tal qual, ou você tem O Capital, ou não é digno de ser sujeito de direitos (também será melhor estudado em momento oportuno, Delta).
- Então veja, a depender da literatura doutrinária abordada o sujeito ativo do crime assume várias adjetificações, e fica tranquilo e tranquila, que o Mege vai te posicionando e explicando melhor toda a obra a respeito da temática que é cobrada em concursos da Polícia
Por hora, fique com a informação de que a fase científica da criminologia foi a maior responsável por direcionar o olhar atual para o sujeito ativo do crime, de uma forma até desumana e indiferente aos olhos do socialismo vigente e dos direitos humanos, modernamente estruturado pela busca da finalidade humana como centro de razão da experiência social na terra.
1.3 VÍTIMA
Da mesma forma que o criminoso/delinquente passou por alterações conceituais ao longo da história, a vítima também tem assumido papeis diferentes a depender do contexto em que se encontre.
A relação, por óbvio, também passa de uma análise que objetifica a vítima do crime até um total apogeu de sua figura no contexto fático apresentado. Nessa seara, podemos identificar três momentos históricos em que a vítima muda de paradigma para os cientistas, bem como para a própria sociedade.
- Idade de ouro da vítima
- Neutralização
- Redescobrimento
Interessante de já, fixamos que o estudo da Vitimologia e suas implicações como ciência serão oportunamente estudadas, e são bastante cobradas em provas para Polícia Civil. Por ora, vamos nos furtar de entender minimamente cada fase, de forma conceitual e direta.
1.3.1 Idade de ouro
Para alguns autores a idade de ouro se dá desde os primórdios da civilização até a idade média, já para outros, essa fase se dá genuinamente na idade média, somente.
Nesse momento, a agressão individual era compreendida como ataque coletivo, sendo certo que todo o grupo, a coletividade, adquiria o poder-dever de vingar-se do agressor.
Segundo Eduardo Viana (2020):
Paulatinamente, este processo de concentração do conflito na vítima vai sendo limitado, evoluindo para embrionários sistemas de proporcionalidade da resposta punitiva. Nesse momento, foi importante a Lei de Talião, bem assim os sistemas de composição surgidos no direito germânico, que admitiam a possibilidade do agressor pagar uma quantia estipulada para que, em contrapartida, a vítima desistisse do conflito.
No Brasil, por sua vez, a vingança privada esteve presente até as Ordenações Filipinas, onde a maioria dos tipos deste diploma normativo previa a pena de morte, mesmo em se tratando de fatos insignificantes. Muitas vezes, cita a doutrina, as execuções eram precedidas de suplícios para que o fim do que agressor se desse de maneira atroz, cruel e exemplificativa.
Mundialmente, durante a Idade Média e o Absolutismo Monárquico, a vítima vai cada vez mais perdendo seu protagonismo, uma vez que já o declínio da justiça privada em detrimento do poder do monarca. Surge então a chamada vingança pública, que nada mais é do que a limitação da punição ao rei, soberano e “divino”.
1.3.2 Neutralização da Vítima
O processo de abandono da vítima tem como ponto principal a transição do monopólio para o Estado. Dessa forma, os sistemas legais de resposta punitiva foram decisivos para, pouco a pouco, a vítima converter-se apenas num mero sujeito passivo do delito, alguém que sofre uma ação. Daí porque o progresso do processo penal no modelo de justiça repressiva desampara a vítima no quadro do fenômeno criminal (Eduardo Viana, 2020).
Então, com a ascensão do monopólio punitivo do Estado, não há mais espaços para a punição por meio da própria vítima. A legalidade toma o espaço de definição dos mecanismos de punição.
Certamente este processo de abandono da vítima também tem suas causas na ciência criminológica e também no Direito Penal. Aquela centrou as investigações na figura do criminoso; o Direito Penal, por sua vez, ao estruturar o seu sistema e partir de um projeto de legitimação material à luz da violação ao bem jurídico, sacava o potencial crítico e relevante que a vítima desempenhava para a etiologia do crime. […] o fim da idade de ouro é sequenciada pela desprivatização da justiça criminal e transferência do poder da resposta punitiva para o Estado (Eduardo Viana, 2020).
1.3.3 Redescobrimento da vítima
Delta! Aqui destacamos um fatos mundial que foi capaz de reestruturar a análise sobre o papel da vítima no crime: SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. As atrocidades advindas de movimentos como nazismo e fascismo colocou uma preocupação na comunidade acadêmica, porquanto, graças à exegética e o primado das leis, seres humanos foram lançados à sorte – ao azar no caso – e mutilados como objetos, fugindo diametralmente da ótica Kantiana de dignidade e tratamento do homem proposta no século XVIII. O homem foi tratado como coisa, em uma proporção que soa inimaginável por nós, meros ocidentais, compreender o que era a dor e a morte para essas pessoas.
Segundo Eduardo Viana (2020) duas vertentes, então, podem ser usadas como parâmetro para esse desenvolvimento do contexto protagonista das vítimas…
Vertente político-social: a macrovitimização gerada pela 2ª Guerra Mundial, o fenômeno da pulverização espacial da criminalidade e, ainda, a criação de assossiações na defesa de interesses coletivos, especialmente no que tange ao direito estadunidense, formam o cenário para esta nova fase do processo
Vertente acadêmica: a série de simpósios internacionais sobre Vitimologia ocorridas a partir de 1973, culminando com o simpósio ocorrido em Bellagio, na Itália, em 1975; a publicação científica internacional da editora Visage Press, em Washington D. C, dedicada exclusivamente à Vitimologia; e finalmente, já em 1980, o advento da Sociedade Internacional de Vitimologia.
Como explanado acima, vamos explorar melhor a vítima em momento oportuno. Não esmorece, sigamos Delta!
2. CRIMINOLOGIA, DIREITO PENAL E POLÍTICA CRIMINAL
É muito importante levar para a prova essa diferenciação, para além da relevância deste conhecimento em sua prática, dia a dia nas delegacias do Brasil.
Já sabemos conceituar bem a ciência da Criminologia, e temos bem determinado em nossa cabeças que o Direito Penal é uma ciência do dever-ser, ou seja, da imposição, da obrigação, da normatividade.
Sobre a nós, para além de explanar os dois conceitos acima melhor, compreender o que é política criminal, e para isso vamos nos furtar da majestosa conceituação de Cleber Masson (2022):
“Cuida-se de ciência independente, que tem por objeto a apresentação de críticas e propostas para a reforma do Direito Penal em vigor. Para Basileu Garcia, constitui uma ponte entre a teoria jurídico-penal e a realidade. Visa a análise crítica e metajurídica do direito positivo, no sentido de ajustá-lo aos ideais jurídico-penais e de justiça“.
Olha só que coisa linda Delta. A política criminal serve para dar subsídio ao Poder Legislativo na criação e manutenção do controle social da criminalidade. Veja, trata-se de uma ciência e assim deve ser tratada por você na hora da prova.
Tranquilo? Então vamos a uma tabela que nos ajude a entender e diferenciar melhor os três conceitos:
DIFERENÇA ENTRE CRIMINOLOGIA, DIREITO PENAL E POLÍTICA CRIMINAL
DIFERENÇAS | CRIMINOLOGIA | POLÍTICA CRIMINAL | DIREITO PENAL |
O que é | Ciência empírica e interdisciplinar (métodos) | Programa de Objetivos Preventivos e Repressivos ao Direito Criminal | Conjunto de Normas Jurídicas (imposições sancionatórias) |
Finalidade | Analisar dados para prevenir e intervir eficazmente no crime | Propor estratégias para conter a criminalidade incidindo na legislação penal | Elenca os fatos indesejados atribuindo punição (caráter fragmentários do Direito penal) |
Objeto | Crime, criminoso, vítima e controle social (ser – mundo concreto) | Dados sobre a criminalidade em determinado contexto | Crime de maneira abstrata (ciência do dever-ser) |
Como vê o crime? | Fato | Valor | Norma |
Método | Empírico e Interdisciplinar | Propositivo | Normativo Dedutivo |
Em miúdos, há duas grandes bancas que aplicam concursos para Polícia Civil que já se “prontificaram” em definir um conceito de política criminal: Vunesp e Cebraspe. Exatamente pela importância dessas bancas nos concursos do país, vamos à uma análise prática.
- Cebraspe: A política criminal constitui a sistematização de estratégias, táticas e meios de controle social da criminalidade, com o propósito de sugerir e orientar reformas na legislação
- Vunesp: A política criminal é uma disciplina que estuda estratégias estatais para atuação preventiva sobre a criminalidade, e que tem como uma das principais finalidades o estabelecimento de uma ponte eficaz entre a criminologia, enquanto ciência empírica, e o direito penal, enquanto ciência axiológica.
Então vamos partir para classificações da Criminologia que ganham espaço dia a dia modernamente, e que você, como Autoridade Policial, verá na prática. Contudo, será somente no próximo post, fique ligado que em breve estudaremos sobre as classificações da criminologia.
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