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A intervenção do Estado no domínio econômico é um tema crucial no Direito Administrativo que envolve a atuação estatal direta ou indireta na economia, com o objetivo de regular, fomentar, coordenar ou suplementar a atividade econômica privada.
Essa intervenção é justificada pela necessidade de correção de falhas de mercado, controle de externalidades, ou mesmo por motivos de segurança nacional e desenvolvimento socioeconômico.
1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
Nos termos do art. 170 da Constituição Federal, a ORDEM ECONÔMICA é pautada em 02 (dois) postulados/fundamentos básicos: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa [elementos socioideológicos da Constituição].
Assim, o exercício da atividade econômica não é um direito absoluto, uma vez que o texto constitucional indica que essa atividade, independentemente de quem possa exercê-la, deve compatibilizar-se com tais postulados.
Ainda de acordo com o aludido dispositivo constitucional, a ordem econômica tem por fim/finalidade a existência digna de todos, com base nos ditames da justiça social.
2. FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA
a) Valorização do trabalho humano
Entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, o art. 1º da CF/88 consignou os valores do trabalho (IV). Tal fato revela a preocupação do Constituinte em harmonizar os fatores de capital e trabalho, de modo a alcançar os preceitos de justiça social, cujo escopo tem raízes protetivas e direcionadas às categorias sociais mais desfavorecidas.
Nesse sentido, a valorização do trabalho humano tem íntima relação com os valores sociais do trabalho e para garanti-los, faz-se necessária a intervenção do Estado na ordem econômica e, invariavelmente, nas relações trabalhistas. A propósito, a intervenção estatal é notória entre os artigos 7º a 11 da CF, estabelecendo detalhado rol de direitos sociais conferidos aos trabalhadores.
Outro aspecto decorrente da valorização do trabalho humano, sobretudo após o processo de automação industrial, é a ideia de que o ser humano não é uma mercadoria, sendo dotado de valores e necessidades pessoais que devem ser tutelados pelo Estado a um patamar mínimo civilizatório e em valorização à dignidade humana.
b) Liberdade de iniciativa
Segundo tal fundamento, todas as pessoas têm o direito de ingressar no mercado de produção de bens e serviços por sua conta e risco.
Trata-se, portanto, da liberdade de exploração das atividades econômicas sem que o Estado as execute sozinho ou concorra com a iniciativa privada. Este é um dos pilares do regime (de produção) capitalista, aliás, condizente com o disposto no parágrafo único do artigo 170 da CF, segundo o qual a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem necessidade de autorização de órgãos públicos, à exceção dos casos previstos em lei.
Tamanha é a importância de assegurar a liberdade de iniciativa no setor privado que eventuais atos prejudiciais, sofridos por empresários, em razão da intervenção do Poder Público no domínio econômico, são passíveis de reparações indenizatórias, com fundamento no art. 37, § 6º, da CF (responsabilidade objetiva estatal). Por oportuno, registre-se que, segundo o STF, “a intervenção estatal na economia possui LIMITES no princípio constitucional da liberdade de iniciativa e a responsabilidade objetiva do Estado é decorrente da existência de dano atribuível à atuação deste” (RE nº 422941- DF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso).
Sobre o tema, vale ainda destacar o seguinte julgado do STF:
A defesa da livre concorrência é imperativo de ordem constitucional (art. 170, IV) que deve harmonizar-se com o princípio da livre iniciativa (art. 170, caput). Lembro que “livre iniciativa e livre concorrência, esta como base do chamado livre mercado, não coincidem necessariamente. Ou seja, livre concorrência nem sempre conduz à livre iniciativa e vice-versa (cf. Farina, Azevedo, Saes: Competitividade: Mercado, Estado e Organizações, São Paulo, 1997, cap. IV). Daí a necessária presença do Estado regulador e fiscalizador, capaz de disciplinar a competitividade enquanto fator relevante na formação de preços…” Calixto Salomão Filho, referindo-se à doutrina do eminente Min. Eros Grau, adverte que “livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta (…). O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da CF, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada”. (AC 1.657 MC, voto do rel. p/ o ac. min. Cezar Peluso, j. 27-6-2007, P, DJ de 31-8-2007).
OBSERVAÇÃO: A noção de liberdade de iniciativa, de certa forma, é antagônica à valorização do trabalho humano. Conferir à iniciativa privada a inteira liberdade para a exploração das atividades humanas, sem qualquer amarra ou entrave social, implicaria elevado risco de precarização do trabalho humano, tal como ocorrido no liberalismo do século XIX. Nesse sentido, o desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre os fundamentos da República e a liberdade de iniciativa, estabelecendo políticas de restrições e condicionamentos a esta última, a fim de assegurar a efetiva justiça social sem prejudicar a liberdade de livre busca de mercados e o crescimento econômico do país. |
A Lei Federal nº 13.874/2019 instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, “que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal”.
3. PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA
Além de fundamentos, a Constituição também contemplou princípios norteadores da ordem econômica do país.
O primeiro princípio elencado no art. 170 da CF/88 é o da soberania nacional, segundo o qual a ordem econômica não pode se desenvolver de modo a colocar em risco a soberania nacional, considerando os variados interesses internacionais.
Destacam-se, ainda, os princípios da propriedade privada e função social da propriedade; da livre concorrência; da defesa do consumidor e do meio ambiente; da redução das desigualdades sociais; da busca do pleno emprego; e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.
Transcreve-se abaixo a literalidade do texto constitucional:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
- soberania nacional;
- propriedade privada;
- função social da propriedade;
- livre concorrência;
- defesa do consumidor;
- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
- redução das desigualdades regionais e sociais;
- busca do pleno emprego;
- tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
A referida Lei Federal nº 13.874/2019 trouxe um rol de princípios de liberdade econômica:
Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:
- a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;
- a boa-fé do particular perante o poder público;
- a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e
- o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV do caput deste artigo, limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.
4. MODALIDADES DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA
- Natureza da Atuação
Segundo classificação adotada por José dos Santos Carvalho Filho, o Estado figura de duas formas na ordem econômica:
- Estado Regulador: a intervenção estatal dá-se mediante imposições normativas destinadas, sobretudo, aos particulares, bem como instrumentos jurídicos preventivos e repressivos visando coibir eventuais condutas abusivas. Cuida da regulação da atividade econômica por meio do tabelamento de preços, controle do abastecimento, repressão ao abuso do poder econômico, entre outras medidas. A noção de “Estado Regulador” do autor abrange todas as formas consagradas de intervenção indireta do Estado: normatização, fiscalização (polícia), incentivo (fomento) e planejamento;
- Estado Executor: além de regular atividades econômicas, o Poder Público também atua exercendo-as, isto é, explorando atividades econômicas, em observância aos limites estabelecidos no texto constitucional, a fim de preservar o princípio da liberdade de iniciativa.
ATENÇÃO! José dos Santos Carvalho Filho destaca que a atuação estatal regulatória opera-se sem intermediações, pois as normas e instrumentos repressivos se originam diretamente do Estado. Assim, aponta que a função do Estado-Regulador caracteriza intervenção direta no domínio econômico. Contudo, neste ponto, destaca-se que a maioria da doutrina entende que a intervenção direta do Estado ocorre quando ele atua na execução/exploração da atividade econômica, o que acontece, em regra, por meio das empresas estatais (o que o referido autor entende que seria caso de intervenção indireta, por não ser executada diretamente pelos entes federativos, e sim por entes da Administração Indireta). Ressalta-se, portanto, que, neste ponto, a doutrina do professor José dos Santos Carvalho Filho é minoritária e não deve ser seguida para fins de concurso. No entanto, a classificação do referido autor em Estado Regulador e Estado Executor, ora apresentada, é bastante difundida na doutrina. |
Corroborando o entendimento destacado no quadro acima, no tocante à classificação da intervenção do Estado de forma direta e indireta, em razão da sua didática, transcreve-se abaixo um trecho da ADI 1923, que inclusive aponta o entendimento do STF sobre o tema:
- Intervenção Direta: o Estado atua na execução/exploração da atividade econômica, normalmente por meio das empresas estatais;
- Intervenção Indireta: o Estado atua na normatização, fiscalização, fomento e planejamento da iniciativa privada de fins econômicos (“Estado Regulador”).
5. ESTADO REGULADOR
Competências:
No atual sistema de partilha constitucional de atribuições, pertence à União Federal a maior parte da competência para atuação do Estado-Regulador. No plano da competência administrativa privada, o art. 21 da CF/88 estabelece várias atribuições da União indicativas da forma de atuação estatal (incisos VIII e IX a XII). O mesmo ocorre no tocante à competência legislativa privativa da União, mediante o disposto no art. 22 do diploma constitucional (incisos VIII, IX, XII e XIX).
Nesse sentido, destaca-se o importante papel das agências reguladoras no exercício da regulação do setor econômico. Tais autarquias (de regime especial), instituídas especialmente para tal fim, também regulam serviços privados e serviços públicos delegados a empresas privadas. Todos os entes federativos podem criar suas próprias agências reguladoras objetivando controlar/fiscalizar as atividades de sua competência constitucional (art. 24, I, V e VI c/c §§ 1º e 2º, da CF/88).
Outrossim, o art. 24 da Constituição atribui competência legislativa concorrente aos entes federativos para tratar acerca de Direito Econômico e Financeiro, produção e consumo e proteção do meio ambiente.
Nesta perspectiva, o STF já reconheceu a constitucionalidade de lei estadual que garante meia entrada aos doadores regulares de sangue nos locais públicos de cultura, esporte e lazer. Destaca-se a seguir a ementa da decisão:
- É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário.
- Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.
- A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa.
- A Constituição do Brasil em seu artigo 199, § 4º, veda todo tipo de comercialização de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitucional disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a coleta de sangue.
- O ato normativo estadual não determina recompensa financeira à doação ou estimula a comercialização de sangue.
- Na composição entre o princípio da livre iniciativa e o direito à vida há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 3.512, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, j. 15-2- 2006, P, DJ de 23-6-2006).
Por fim, o art. 23 da Carta Magna atribui a todos os entes a proteção ao meio ambiente, o fomento à produção agropecuária, a organização do abastecimento alimentar, bem como o combate às causas da pobreza e promoção e integração social dos segmentos hipossuficientes. ATENÇÃO! É essencial a leitura dos arts. 21 a 24 da Constituição Federal.
Somente haverá motivo para promover a regulação de algum setor econômico se existir uma das chamadas “falhas de mercado”, que são, justamente, toda situação de anormalidade de efeito danoso, potencial ou efetivo, ao devido processo competitivo de determinado nicho de nossa economia, tendo resultados negativos para o bem-estar socioeconômico da população. As falhas de mercado podem ocorrer das seguintes maneiras:
- deficiência na concorrência (concentração): ocorre quando, no respectivo mercado, não há condições favoráveis para existência de uma disputa saudável e equilibrada entre os agentes econômicos envolvidos;
- deficiência na distribuição de bens essenciais coletivos: ocorre quando o mercado não é capaz de promover o acesso da coletividade aos bens essenciais para satisfação do mínimo existencial, sendo incapaz de garantir o princípio da dignidade da pessoa humana;
- externalidades: fatores produzidos pelos agentes que operam no mercado, na consecução de suas atividades, cujos efeitos se fazem presentes sobre terceiros não participantes do respectivo ciclo econômico (produção, circulação e consumo), indo além do respectivo nicho, tendo forte impacto no meio social. Ex.: poluição;
- assimetria informativa: ocorre quando o consumidor e/ou o Estado não possuem conhecimentos sobre como o mercado opera, ou detêm informações imperfeitas que não refletem a realidade material do respectivo setor econômico, fato que facilita e permite a prática de condutas abusivas por parte dos agentes econômicos que nele atuam, praticamente, à revelia do Poder Público. A assimetria informativa representa violação ao princípio da transparência que se traduz na boa-fé econômica, sendo principiologicamente vedada pelo Direito;
- poderio e desequilíbrio de mercado: é o pré-requisito econômico-financeiro, que se traduz na relevância do mercado para a economia nacional, podendo ser avaliado por diversos fatores, tais como: o numerário movimentado periodicamente pelo respectivo nicho econômico; a quantidade de empregos, diretos e indiretos, gerada; a produção e circulação de riquezas que refletem diretamente sobre o produto interno bruto; aumento de divisas; equilíbrio da balança comercial, bem como sobre a renda per capita, entre outros. Não haverá necessidade de regular setores que não tenham repercussão relevante para o interesse coletivo. Além disso, somente haverá regulação onde o mercado privado, por si só, não conseguir autorregular-se. Para tanto, mister se faz a conjugação de um requisito econômico (falha de mercado) com um requisito social (insatisfação popular) capazes de gerar uma instabilidade nas instâncias políticas de poderes constituídos.
Podemos, outrossim, identificar duas formas de regulação distintas:
- autorregulação ou regulação privada – decorrente do processo de autocondução exercido pelo próprio mercado, que, por si e sem a necessidade de interferências externas, demonstra-se capaz de garantir o respeito aos princípios que norteiam a ordem econômica, mormente a livre-iniciativa e a liberdade de concorrência. Via de regra, não há intervenção estatal em mercados capazes de se autorregular. Todavia, necessário observar que, também na autorregulação, a atuação do Poder Público se faz necessária, perfazendo-se de forma preventiva, mediante a análise dos atos empresariais dos agentes econômicos por parte das autoridades antitrustes, responsáveis pela defesa concorrencial a fim de se garantir que não haja desvirtuamento dos mecanismos de mercado;
- heterorregulação ou regulação pública – é decorrente da necessidade que o Estado tem em interferir no mercado para garantir a observância dos princípios que norteiam a ordem econômica, uma vez que o mesmo, por vezes e não raro, revela- se incapaz de fazê-lo por si, apresentando falhas (de mercado) que necessitam ser corrigidas. Observe-se que não é indispensável que a regulação seja feita por agência reguladora, podendo ser feita por qualquer órgão ou entidade integrante da Administração Pública.
A fiscalização sobre a atividade econômica integra a competência regulatória do Estado. São controladas práticas dos agentes econômicos frente às normas disciplinadoras do mercado.
Funções desempenhadas: fiscalização, incentivo e planejamento.
a) Fiscalização:
- Momento: preventiva e repressivamente;
- Conteúdo da norma fiscalizatória: diretivo;
- Não se confunde com planejamento, caso contrário teria caráter indicativo para o setor privado;
- É o fundamento para a atuação das agências reguladoras
ATENÇÃO: FISCALIZAÇÃO X PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVO Os doutrinadores administrativistas afirmam que a fiscalização decorrente da intervenção indireta é uma forma de manifestação do poder de polícia administrativo. Os doutrinadores de direito econômico, entretanto, buscando ampliar a autonomia da matéria, afirmam que os dois institutos não se confundem. A fiscalização teria características próprias, não presentes no poder de polícia administrativo. |
b) Incentivo:
- Sanção premial;
- Conteúdo da norma de incentivo: indutor de comportamento;
- A adesão pelo particular é facultativa;
- Podem ser identificados dois momentos:
- no primeiro momento da adesão, é facultativa (o particular adere se quiser);
- no segundo momento, da contrapartida ao bônus recebido, tem caráter vinculativo (se o particular se beneficiar do bônus, terá que se submeter ao ônus correspondente).
c) Planejamento: é forma de ação estatal, caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenados mediante o qual se procura ordenar o processo econômico (mercado).
ATENÇÃO! De acordo com a parte final do § 5º do art. 173 da CF/88, o planejamento é:
- Setor público: determinante;
- Setor privado:
O art. 5º da Lei Federal nº 13.874/2019 – Lei de Liberdade Econômica disciplinou a chamada “análise de impacto regulatório”, no âmbito da Administração Federal, enquanto etapa prévia obrigatória para propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados sejam precedidas, in verbis:
Repressão ao abuso do poder econômico:
Consiste no conjunto de estratégias adotadas pelo Estado que, mediante intervenção na ordem econômica, destina-se a neutralizar os comportamentos causadores de distorção nas condições normais de mercado em razão do acúmulo de riquezas.
A Constituição Federal é categórica acerca da necessidade de reprimir o abuso econômico, ao prever que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art. 173, § 4º, da CF).
A título exemplificativo, o autor José dos Santos Carvalho Filho menciona que o art. 146-A da CF/88, introduzido pela EC nº 42/2003, é uma típica atuação interventiva do Estado-Regulador ao estabelecer: “lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.
Importante destacar que a intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, deve ser feita com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica.
Formas de Abuso de Poder Econômico:
Com base no próprio texto constitucional, destacam-se 03 (três) formas pelas quais se consuma o abuso do poder econômico (art. 173, § 4º, da CF):
- Dominação de mercados: como é cediço, a regularidade do funcionamento do mercado depende do equilíbrio entre oferta e procura. Assim, se determinada empresa domina o mercado, há consequente desequilíbrio de forças que prejudicam os interesses da coletividade;
- Eliminação da concorrência: derivação do domínio de mercado. É notório que o regime de competição é fundamental para o equilíbrio do mercado, cerceando a imposição de produtos e preços e, assim, protegendo o regime econômico. Inclusive, tal ideia está consagrada na súmula 646 do STF: “ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”. Com efeito, no referido caso, a restrição imposta pelo Município não possui correlação com o interesse público, razão pela qual o STF entende inconstitucional tal intervenção;
- Aumento arbitrário dos lucros: sempre que a empresa intenta dominar o mercado e eliminar o sistema de concorrência, seu objetivo é auferir lucros desproporcionais e arbitrários, em prejuízo ao interesse da coletividade. Assim, porque abusiva, tal conduta precisa ser reprimida, com veemência, pelo Estado.
Normas e meios repressivos do abuso de poder econômico:
De modo geral, é crescente o volume legislativo destinado a combater condutas abusivas na economia e estabelecer as correspondentes sanções aos autores. Entre os vários diplomas legais, destaca-se a Lei Federal nº 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC.
Tal sistema é estruturado em dois órgãos básicos: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.
O CADE, que possui natureza jurídica de autarquia, é vinculado ao Ministério da Justiça e divide-se em três órgãos:
- Tribunal Administrativo de Defesa Econômica;
- Superintendência-Geral; e
- Departamento de Estudos Econômicos.
No tocante às infrações, a Lei Federal nº 12.529/2011 aplica-se a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, bem como a associações de entidades ou pessoas, de fato ou de direito, mesmo que sem personalidade jurídica ou de caráter temporário, de modo que é prevista a responsabilidade solidária da sociedade e dos dirigentes ou administradores.
Não aprofundaremos neste ponto, pois, apesar de o tópico constar em alguns editais de Magistratura Estadual, em especial de concursos a cargo da CESPE/Cebraspe, a Lei Federal nº 12.529/2011 não costuma ser cobrada, como dissemos, em provas para o cargo de juiz de direito, menos ainda na disciplina de Direito Administrativo. Com mais precisão, o tema quando cobrado é exigido na disciplina de direito empresarial.
6. ESTADO EXECUTOR
Conforme visto, além da figura do Estado Regulador (produção de normas, regulação de preços, controle de abastecimento, entre outros atos disciplinadores da ordem econômica), o Poder Público atua também na condição de Estado Executor.
Ressalta-se que a figura do Estado Executor não representa a regra. Ao contrário, a Constituição estabelece uma série de limites à atuação estatal sob tal condição a fim de preservar o princípio da livre iniciativa.
ATENÇÃO! Mais uma vez, cuidado: invertendo o sentido da classificação da doutrina e jurisprudência nacionais, José dos Santos Carvalho Filho afirma que a exploração da atividade econômica pode ocorrer de duas formas:
1) exploração direta: quando o Estado atua diretamente; e
2) exploração indireta: quando o Estado atua mediante entidades da Administração Indireta.
É que, conforme já pontuamos, prevalece o entendimento no sentido de que, quando o Estado executa atividades econômicas, ainda que por meio de entidades da Administração Indireta, trata-se de exploração direta da atividade econômica; por outro lado, a exploração indireta seria quando o Estado atua como agente normativo e regulador e, por meio dessas posições, exerce uma tríplice função: fiscalizadora, incentivadora e planejadora (determinante para o setor público e indicativa para o setor privado), a teor do que preceitua o art. 174 da CF.
A regra atinente à exploração direta de atividades econômicas pelo Estado encontra-se no art. 173, caput, da CF:
“ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
Mediante interpretação conjugada dos artigos 173, caput, e 170, IV, e parágrafo único, ambos da CF, tem-se que a exploração de atividades econômicas cabe, em regra, à iniciativa privada. Desse modo, a possibilidade prevista no artigo 173 da CF/88 há de ser concebida como exceção.
Mesmo quando explora atividade econômica, o Estado está atrelado, mediata ou imediatamente, à execução de atividade que confira benefício para a coletividade, isto é, em observância ao interesse público. Isso porque o Estado, mesmo sob eventual roupagem mercantil de comerciante ou industrial, é um sujeito essencialmente destinado a perseguir o interesse coletivo.
ATENÇÃO! a. O Estado deve evitar se imiscuir nas atividades econômicas, tendo em vista, pelas máximas de experiência, mostrar-se ineficiente e inapto a alcançar resultados comparáveis àqueles obtidos pela inciativa privada. Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos e Yves Gandra Martins dispõem que “a verdade é que o Estado não consegue submeter suas empresas regidas pelo direito privado a uma verdadeira mentalidade empresarial; pelo contrário sempre encontra formas de pô-las a serviço dos interesses do poder, e não da coletividade”. Assim, doutrinadores como José dos Santos Carvalho Filho defendem que o Estado deve primar pelo exercício do papel de Estado Regulador, controlador e fiscal, deixando o desempenho às empresas da iniciativa privada. b. A intervenção direta pode ocorrer de duas formas: b.1. Absorção (monopólio): o Estado toma todo um setor econômico para si, explorando em prol da coletividade (art. 177, CRFB). Ex.: monopólio do petróleo. ATENÇÃO! A atividade exercida pelos Correios é considerada serviço público de prestação exclusiva e obrigatória, razão pela qual não se fala em monopólio, e sim em privilégio. b.2 Participação: atuação ao lado da iniciativa privada, em regime de concorrência (art. 173 da CF). Exemplo clássico: Banco do Brasil – atividade eminentemente privada. |
Pressupostos legitimadores da intervenção direta do Estado na economia
A CF aponta 03 (três) situações autorizativas para o Estado explorar diretamente as atividades econômicas:
- Segurança nacional: caso a ordem econômica conduzida pelos particulares enseje algum risco à soberania do país, autoriza-se o Estado a intervir no domínio econômico, direta ou indiretamente, a fim de restabelecer a paz social. Cumpre assinalar que o conceito de segurança nacional é eminentemente político, podendo ser classificado, portanto, como conceito jurídico, delineado;
- Interesse coletivo relevante: novamente deparamo-nos com um conceito jurídico indeterminado, porque lhe falta precisão e identificação necessárias à sua determinabilidade;
- Expresso permissivo constitucional (monopólio): o Estado resguarda algumas atividades econômicas que são por ele exclusivamente realizadas. A justificativa para a retirada dessas atividades do domínio econômico é a segurança nacional e o interesse coletivo. O monopólio estatal é autorizado nas áreas de petróleo, gás natural, minérios em geral e minerais nucleares.
O conceito de monopólio é eminentemente econômico, traduzindo-se no poder de atuar em um mercado como único agente econômico, isto é, significa uma estrutura de mercado em que um (monopólio) ou alguns produtores (oligopólio) exerce(m) o controle de preços e suprimentos, não sendo possível, por força de obstáculos naturais ou artificiais, a entrada de novos concorrentes.
O monopólio classifica-se em:
- monopólio natural: é aquele decorrente da impossibilidade física/fática do exercício da mesma atividade econômica por parte de mais de um agente, uma vez que a maximização de resultados e a plena eficiência alocativa de recursos somente serão alcançadas quando a exploração se der em regime de exclusividade. O monopólio natural pode decorrer do direito à exploração patenteada e exclusiva de determinado fator de produção, bem como da maior eficiência competitiva de determinado agente em face de seus demais competidores. Observe que o monopólio natural não é defeso pela Constituição, sendo inclusive permitido pelo legislador infraconstitucional, já que não resulta nem provém de práticas abusivas do mercado;
- monopólio convencional: é o decorrente de práticas abusivas de agentes econômicos, bem como de acordos e contratos estabelecidos por dois ou mais agentes, com o fito de eliminar os demais competidores, colocando aquela atividade sob exploração exclusiva por parte de um único agente (monopólio) ou de alguns poucos agentes predeterminados (oligopólio). O monopólio convencional é vedado, uma vez que nossa ordem econômica estabelece como princípio a defesa da concorrência (art. 173, § 4º, da CRFB e arts. 20 e 21 da Lei nº 8.884/94);
- monopólio legal: é a exclusividade de exploração de atividade econômica estabelecida pelo Poder Público para si ou para terceiros, por meio da edição de atos normativos. Portanto, há monopólio legal quando o Poder Público subtrai dos particulares certas atividades econômicas, com o fim de mantê- las sob o controle da exploração do Estado, por razões de ordem pública (absorção). Nossa ordem constitucional estabelece ser defeso ao Estado afastar a iniciativa dos particulares de qualquer atividade econômica, salvo nos casos excepcionais previstos no próprio texto constitucional. A Constituição, igualmente por razões principiológicas, veda que o Estado crie monopólio para terceiros – não é defeso ao Estado, porém, a outorga de privilégios a particulares, como forma de fomento da atividade econômica, desde que seja feito de forma isonômica.
- Monopsônio: ocorre quando um único empregador domina toda a demanda relevante por mão de obra em determinado local (um único contratante de mão de obra), como por exemplo, uma grande mineradora em um município do interior de Minas Gerais.
Monopólio na Constituição de 1988
As hipóteses de monopólio estatal encontram-se TAXATIVAMENTE previstas no art. 177 da CF/88, não cabendo ao legislador ordinário ampliá-las, uma vez que a ordem econômica brasileira fundamenta-se na livre iniciativa, tendo como princípio regedor a liberdade de concorrência. Assim, segundo a doutrina majoritária, somente ao poder constituinte derivado reformador cabe a ampliação dos casos de monopólio estatal.
Atualmente, a Constituição limitou taxativamente as hipóteses de intervenção econômica do Estado por absorção.
Com a EC nº 09/95, na área do petróleo, permitiu a contratação por parte da União de empresas estatais ou privadas para as atividades relacionadas ao abastecimento.
Essa contratação com empresas estatais ou privadas está disciplinada na Lei Federal nº 9.478/1997, que, em seu Capítulo V, cuida da exploração e da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos que serão exercidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação. Nos termos da Lei mencionada, os contratos de concessão deverão prever duas fases, uma de exploração e outra de produção. Deve-se observar também que é possível a transferência do contrato de concessão.
Some-se a isto o fato de que a EC nº 49/06 flexibilizou o monopólio de minérios e minerais nucleares para retirar a exclusividade da União sobre a produção, a comercialização e a utilização de radioisótopos de meia-vida curta, para usos medicinais, agrícolas e industriais, delegando-a ao particular sob regime de permissão.
Assim, de acordo com o texto constitucional vigente, o monopólio da União
incide basicamente sobre três produtos naturais, a saber:
- Petróleo (flexibilizado via EC 09/95);
- Gás natural e minério (mineral com valor economicamente agregado); e
- Minerais nucleares (flexibilizado via EC 49/06).
Em razão da sua importância, transcreve-se o art. 177 da Constituição:
Art. 177. Constituem monopólio da União:
- – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
- – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
- – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
- – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
- – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.
§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.
7. FORMAS DE INTERVENÇÃO SEGUNDO CLASSIFICAÇÃO DO MIN. EROS GRAU
- Intervenção por participação (art. 173, CF): é a intervenção direta na qual o Estado atua em concorrência com a iniciativa privada;
- Intervenção por absorção (art. 177, CF): é a intervenção direta na qual o Estado atua SEM concorrência com a iniciativa privada, por meio de monopólio;
- Intervenção por direção (art. 174, CF): é a intervenção indireta na qual o Estado regulamenta a atividade econômica por meio da expedição de normas É forma de intervenção cogente;
- Intervenção por indução (art. 174, CF): é a intervenção indireta na qual o Estado estimula (indução positiva) ou desestimula (indução negativa) determinada atividade. Neste ponto, é possível destacar o emprego da licitação, instituto típico do Direito Administrativo, como forma de regulação indutiva da economia, seja para coibir práticas que limitam a competitividade, seja para induzir práticas que produzem efeitos sociais desejáveis. Trata-se da função regulatória da licitação, tratada no ponto 10 (Rodada 18), que corresponde à ideia de que a licitação pode ser utilizada como instrumento de regulação de mercado, de modo a estimular/induzir determinadas práticas considerando o poder de compra do Estado, a exemplo dos critérios de desempate e as regras de preferência previstos no art. 3º da Lei Federal nº 8.666/1993.
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