PC-PR 2021: Concurso cancelado. E agora, quais os meus direitos!?

Fomos recentemente surpreendidos com a terrível notícia do cancelamento da aplicação das provas do concurso público para provimento de vagas na Polícia Civil do Estado do Paraná, que seriam realizadas no dia 21/02/2021.

A banca organizadora emitiu nota informando o cancelamento às 5 horas da manhã da data marcada para a realização das provas, ocasião em que mais de 100 mil candidatos já haviam se deslocado de suas cidades com destino a Curitiba.

Em nota, a banca organizadora Núcleo de Concursos da Universidade Federal do Paraná informou o seguinte: “Nas últimas 24 horas, todavia, deparou-se com problemas de logística inesperados e insuperáveis no que toca a alguns itens de segurança imprescindíveis, como, por exemplo, no recebimento dos termômetros para medição da temperatura dos candidatos na entrada dos locais de prova que foram exigidos pelo Ministério Público e Defensoria Pública da União e do Estado.”[1]

Considerando o atual estado das condições sanitárias e de saúde pública no Brasil e no Estado do Paraná, a Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Estado do Paraná, assim como o Ministério Público Paranaense intervieram judicialmente intentando o adiamento das provas, porém sem êxito.

Ocorre que, independentemente das razões aduzidas pela banca, o estrago estava consumado. Uma imensidão de candidatos já teria passado pelo duro processo de sair de suas casas submetendo-se a riscos de contágio nos aeroportos, rodoviárias e transportes públicos, gastando valores que muitos não dispunham para arcar com os altos custos de passagens, hospedagem, alimentação e condução, entre outros.

Para além de prejuízos materiais, deve-se mencionar, ainda, todo o abalo psicológico e emocional daqueles que veem no concurso público a oportunidade de mudar de vida e alcançar melhores condições para as suas famílias.  Legítima expectativa criada e cabalmente frustrada.

Dada esta situação, como o candidato lesado poderia amenizar tamanho prejuízo?

De quem é a responsabilidade civil?

Vejamos o que dispõe o art. 37, §6º, da Constituição Federal: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”.

O direito brasileiro adotou a regra da responsabilidade objetiva do Estado. Desta forma, a responsabilidade da pessoa jurídica que presta serviço público, com personalidade de direito público ou privado, não dependerá da demonstração do elemento subjetivo (dolo ou culpa), sendo necessário apenas que seus agentes estejam no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las.

É imprescindível, somente, que o particular lesado demonstre a ocorrência do fato administrativo, do nexo causal e do dano sofrido.

No aqui caso analisado, deverá o candidato juntar provas suficientes que demonstrem o fato administrativo (configurado no cancelamento ou anulação da prova); o nexo causal (consistente na relação entre o particular e a administração devidamente comprovada através da inscrição no certame), e o dano suportado (registros de passagens, hospedagem, comprovante de inscrição, entre outros).

É ônus, portanto, do particular provar a ocorrência do dano para que possa ter direito à indenização.

Qual é o entendimento da jurisprudência brasileira?

Os tribunais pátrios têm decidido da seguinte forma:

RECURSO INOMINADO. INDENIZATÓRIA. CONCURSO PÚBLICO CANCELADO EM DECORRÊNCIA DE FRAUDE NO CERTAME. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA ORGANIZADORA QUE DECORRE DO ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANO MATERIAL E MORAL VERIFICADOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR – 1ª Turma Recursal – 0011738-80.2018.8.16.0018 – Maringá – Rel.: Juíza Maria Fernanda Scheidemantel Nogara Ferreira da Costa – J. 15.05.2019).

RECURSO INOMINADO. CONCURSO PÚBLICO CANCELADO EM DECORRÊNCIA DE FRAUDE NO CERTAME. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA BANCA ORGANIZADORA. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANO MATERIAL REFERENTE ÀS DESPESAS COM A INSCRIÇÃO, VIAGEM ATÉ O LOCAL DA PROVA, HOSPEDAGEM E CURSO PREPARATÓRIO. DANO MORAL CONFIGURADO. SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO DISSABOR DA VIDA COTIDIANA. VALOR DOS DANOS MORAIS FIXADOS DE ACORDO COM CASO IDÊNTICO JULGADO PELA 1º TURMA RECURSAL (AUTOS Nº 0011738-80.2018.8.16.0018). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA. PRETENSÕES INICIAIS ACOLHIDAS. Recurso conhecido e provido. (TJPR – 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais – 0017099-44.2019.8.16.0018 – Maringá – Rel.: Juíza Fernanda de Quadros Jorgensen Geronasso – J. 05.12.2020).

O Supremo Tribunal Federal também já se debruçou sobre o tema analisando a caracterização, ou não, de responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos materiais causados a candidatos inscritos em concurso público, em razão do cancelamento da prova do certame por suspeita de fraude. Vejamos:

O julgado, com repercussão geral, que resultou na emissão da tese de n. 512, concluiu que o Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado (art. 37, § 6º, da CRFB/88), quando os exames são cancelados por indícios de fraude.

Conclui-se, por conseguinte, que a banca organizadora do concurso deverá responder objetivamente, garantindo o ressarcimento das despesas comprovadamente suportadas pelos candidatos, havendo, ainda, a garantia da responsabilização subsidiária do Estado no caso de mora da instituição.

E quanto ao dano moral? Há direito de indenização?

Claro está que os danos materiais devidamente comprovados deverão ser indenizados, mas e o dano moral? Como fica a situação do candidato que se preparou à exaustão, imprimindo alto ritmo de estudos, gastando verdadeiramente sua vida em busca da realização de um sonho e vê suas expectativas frustradas?

O entendimento dos tribunais não é unânime, havendo posições tanto reconhecendo a ocorrência de dano moral, quanto não reconhecendo.

Há situações muito específicas em que primeiramente deve-se verificar o momento da anulação do concurso: se a anulação se dá após posse, dada a entrada em exercício, poderá ser configurado o dever de indenizar, especialmente em razão da falha ter se dado por responsabilidade da exclusiva administração pública. (Decidiu nestes termos o Tribunal Superior do Trabalho ao julgar o Recurso de Revista n. 394-84.2011.5.04.0551[2].).

Não há, portanto, uma posição acertada na jurisprudência brasileira, sendo percebidas posições pela configuração, assim como pela não configuração de danos morais.

A primeira parcela entende que não caberia indenização tendo em vista considerar ausentes as ofensas a direitos da personalidade e/ou a não configuração da teoria da perda de uma chance (quando alegada).

De outro modo, outra parcela de tribunais entende que a situação de cancelamento ultrapassa o mero dissabor da vida cotidiana, devendo, portanto, ser garantido o direito à indenização.

Isto posto, é possível concluir que cada caso deve ser avaliado isoladamente.

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