RHC Nº 136.961 – RJ
Não é de hoje que os Tribunais Superiores se movimentam em uma avaliação crítica a respeito do status prisional no cárcere brasileiro. Neste sentido, e para entendermos de fato a relevância da matéria em análise, precisamos nos debruçar sobre importantes conceitos já sabatinados pelo Supremo Tribunal Federal. O primeiro deles, por óbvio, diz respeito ao Estado de Coisas Inconstitucional.
No ano de 2015, por meio da ADPF 347 MC/DF (Info 798), o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive com uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas para execução nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas.
Ressaltou-se, na ocasião, que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto na União como dos Estados e do Distrito Federal.
Anote em seu caderno de revisões, Megeano e Megeana, que este conceito tem origem na Suprema Corte Constitucional da Colômbia, datada de 1997, com a chamada Sentencia de Unificación – SU (isso pode cair em qualquer fase do concurso). Para além desta decisão, outro Estado que também usou a expressão foi a Corte Constitucional do Peru.
De acordo com o Supremo Tribunal Federal, para o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional exige-se que estejam presentes as seguintes condições:
- Vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais de um número significativo de pessoas;
- Prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações para garantia e promoção dos direitos;
- A superação das violações de direitos pressupõe a adoção de medidas complexas por uma pluralidade de órgãos, envolvendo mudanças estruturais, que podem depender da alocação de recursos públicos, correção das políticas públicas existentes ou formulação de novas políticas, dentre outras medidas;
- Potencialidade de congestionamento da justiça, se todos os que tiverem os seus direitos violados acorrerem individualmente ao Poder Judiciário.
Noutra monta, mais recentemente por meio do HC 165.704, datado de 13/04/2021, a Corte Nacional determinou a realização de audiência pública para discutir os altos níveis de encarceramento e a resistência de juízes e Tribunais quanto ao cumprimento de decisões do STF em matéria de execução penal (isso vai cair na tua prova).
Em certames para Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública, fique atento(a) para a indicação do Ministro Gilmar Mendes nos autos do writ:
- A audiência pública será uma oportunidade para apresentação dos resultados obtidos e esclarecimentos das principais dúvidas e dificuldades no cumprimento daquele acórdão. A seu ver, a audiência é necessária diante da escassez de informações e de uma “certa resistência” para implementação das ordens e da jurisprudência do STF em relação ao sistema de justiça criminal. O Relator observou que a audiência pública terá os seguintes objetivos:
- Reposicionar o debate sobre a existência do estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro, diante do contexto atual de manutenção de altos níveis de encarceramento e de resistência ao cumprimento das decisões do STF;
- Analisar dados e informações específicos sobre essas questões e sobre o cumprimento da ordem coletiva proferida no HC 165704;
- Convocar os presidentes dos tribunais, as demais autoridades públicas e a sociedade civil para participarem do debate e apresentarem propostas ou evidências para o enfrentamento dessa situação em prazo razoável a ser estabelecido.
Agora vamos entrar no Habeas Corpus nº 136.961, especificamente.
Olha o gancho (vai cair também).
Tendo por base o conceito apresentado, um indivíduo pleiteou o cômputo em dobro de todo o período em que cumpriu pena no Instituto Penal Plácido Sá Carvalho, por se tratar de pena cumprida de maneira degradante e desumana, conforme determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Aduziu, pois, que a contagem em dobro deve incidir sobre o total da pena cumprida de forma degradante, o que levaria o recorrente a alcançar o período necessário tanto para a progressão de regime quanto para o livramento condicional.
Afunilando no assunto, a partir do Decreto nº 4.463 de novembro de 2002, o Brasil submeteu-se à jurisdição contenciosa da Corte IDH e passou a figurar no polo passivo de demandas internacionais, o que resultou em obrigações de ajustes internos para que suas normas pudessem se coadunar com a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Desta forma, ao sujeitar-se à jurisdição da Corte IDH, o país amplia o rol de direitos das pessoas e o espaço de diálogo com a comunidade internacional. Com isso, a jurisdição brasileira ao basear-se na cooperação internacional pode ampliar a efetividade dos direitos humanos.
Vamos a um trecho do HC:
- Os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente cumpriu pena no IPPSC.
Então, assim decidiu do Superior Tribunal de Justiça nos autos do RHC 136.961: dou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus para que se efetue o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 09 de julho de 2017 a 24 de maio de 2019.
Vamos ver como já foi cobrado este assunto em concursos passados? Tenha em mente que o conteúdo desta matéria deve surgir em questionamentos semelhantes aos apresentados a seguir.
Em 2017, banca própria, para o cargo de Procurador da República caiu a seguinte questão:
Como vimos acima, 4 (quatro) são os requisitos citados pela Corte Maior, sendo certo que a afirmação C está errada aos olhos da jurisprudência nacional.
No ano de 2019 foi a vez da CEBRASPE exigir tal conhecimento, com a seguinte questão no concurso para Juiz de Direito da Bahia:
E aí Megeano e Megeana, acertou a resposta? Tranquilo depois de todo nosso ensinamento, certo?
A letra C possui o comando em consonância com o STF: Apenas o Supremo revela-se capaz, ante a situação descrita, de superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de soluções, o que significa cumprir ao Tribunal o papel de retirar os demais. Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. Isso é o que se aguarda deste Tribunal e não se pode exigir que se abstenha de intervir, em nome do princípio democrático, quando os canais políticos se apresentem obstruídos, sob pena de chegar-se a um somatório de inércias injustificadas. (AURÉLIO, Marco. 2015. Voto medida cautelar da ADPF 347).”
Na mesma monta, o concurso para Defensor Público do Estado de Santa Catarina de 2017 cobrou o assunto Estado de Coisas Inconstitucional. Vejamos:
A respeito do direito fundamental à assistência jurídica e do regime constitucional da Defensoria Pública na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, considere:
I. O Supremo Tribunal Federal considera hipótese de “estado de coisas inconstitucional” a atribuição de legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ação civil ex delito, nos termos do artigo 68 do Código de Processo Penal.
II. Em que pese o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.943, tenha reconhecido a constitucionalidade da legitimidade atribuída à Defensoria Pública para a propositora de ação civil pública por meio de alteração na Lei n° 7.347/1985, a decisão adotou, na sua fundamentação, o conceito restritivo de necessitado, limitado ao aspecto econômico.
III. É inconstitucional a celebração de qualquer convênio entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil para a prestação de assistência suplementar nos Estados em que a cobertura da instituição não alcança todas as localidades.
IV. O Supremo Tribunal Federal já admitiu em alguns julgados o controle judicial de políticas públicas atinentes ao serviço pú- blico de assistência jurídica, inclusive no sentido de obrigar o Estado a adotar medidas prestacionais voltadas a assegurar a efetivação do direito fundamental à assistência jurídica de titularidade dos indivíduos e grupos sociais necessitados.
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Note que logo no início está INCORRETA afirmação da FCC, o STF admite sim a propositura de ação civil ex delicto pelo Ministério Público (art. 68 do CPP) enquanto não estruturado plenamente a Defensoria Pública – é a tese da norma em trânsito para inconstitucionalidade. Não estamos diante, in casu, da casuística envolvendo o Estado de Coisas Inconstitucional.
Sigamos com mais um exemplo.
No mesmo certame, ano de 2017, o examinador de Santa Catarina ainda questionou o seguinte – veja que duas questões cobraram este assunto:
Sobre o tema do controle de constitucionalidade, considere:
I. A cláusula de reserva de plenário estabelece que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
II. Muito embora reconhecido em sede doutrinária e de direito comparado, o instituto do “estado de coisas inconstitucional” não foi objeto de consideração por parte do Supremo Tribunal Federal até o presente momento em nenhum dos seus julgados.
III. Não é admitido o controle difuso de constitucionalidade no âmbito de ação civil pública de quaisquer leis ou atos do Poder Público, ainda que se trate de simples questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal.
IV. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
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Tranquila, certo?
A afirmação II, pauta deste conteúdo, está incorreta. A ADPF 347 aqui apontada demonstra isso.
Viram só como este assunto é bem abordado?
Esteja certo de que a pauta do RHC nº 136.961 será objeto das próximas provas de todas as carreiras jurídicas do país.
Vamos acertar esta questão, seja ela objetiva, discursiva ou na sua fase oral.
Conta sempre com o Mege.
Abraço e até mais.