Controle de Convencionalidade e Direitos Humanos: Tema quente nos Concursos

Olá megeanos(as)!

Neste post, você entenderá o conceito, a fundamentação normativa, as implicações práticas e os desdobramentos jurisprudenciais do controle de convencionalidade — além de compreender a diferença entre controle de legalidade (supralegalidade) e controle de constitucionalidade, a depender do processo de incorporação dos tratados ao ordenamento jurídico brasileiro. Um conteúdo essencial para quem busca aprovação e formação jurídica sólida.

O controle de convencionalidade é o mecanismo pelo qual se analisa se uma norma interna está em conformidade com os tratados internacionais de direitos humanos. Trata-se de um tema fundamental para provas de magistratura e Ministério Público, pois garante que os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil tenham efetividade no plano interno.

 

Pelo controle de convencionalidade analisa-se a compatibilidade da legislação de um país com os instrumentos jurídicos normativos internacionais (tratados e convenções), com os quais o Estado firmou compromisso. É um controle de validade das normas internas dos países diante das normas internacionais, que se tornam norma- parâmetro.

Isso reforça o valor hierárquico das normas internacionais de direitos humanos diante da legislação dos Estados signatários, ensejando o controle para aferir a compatibilidade.

As normas de direitos humanos são redigidas de forma aberta, repletas de conceitos indeterminados e de cláusulas abertas (por exemplo, “intimidade”, “devido processo legal”, “duração razoável do processo”) e ainda interdependentes e com riscos de colisão (liberdade de informação e intimidade, propriedade e direito ao meio ambiente equilibrado, entre os casos mais conhecidos). Consequentemente, a interpretação é indispensável para que possamos precisar e delimitar os direitos humanos.

A interpretação dos direitos humanos é, acima de tudo, um mecanismo de concretização desses direitos. Tratar em abstrato dos direitos humanos transcritos nas Constituições e nos tratados internacionais é conhecê-los apenas parcialmente: somente após a interpretação pelos Tribunais Superiores e pelos órgãos internacionais é que a delimitação final do alcance e sentido de um determinado direito ocorrerá.

O controle de convencionalidade das normas nacionais em face dos tratados de direitos humanos pode redundar em controle de legalidade (ou supralegalidade), caso o tratado não seja aprovado pelo rito das emendas constitucionais (artigo 5º, § 3º, CR/88) ou em controle de constitucionalidade, caso o tratado tenha sido incorporado com observância do rito das emendas constitucionais.

O controle de convencionalidade deve ser realizado pelo Legislativo, Executivo e Judiciário nas suas respectivas funções. Assim, o controle de convencionalidade não é apenas jurisdicional, devendo ser realizado também quando da aprovação e sanção de projetos de lei.

Vale ressaltar que os tratados equivalentes às emendas constitucionais (com observância do procedimento do artigo 5º, § 3º, CR/88) integram o bloco de constitucionalidade, funcionando como parâmetro para o controle de constitucionalidade e de convencionalidade, diferentemente dos tratados de direitos humanos aprovados sem observância do procedimento do artigo 5º, § 3º, CR/88. Sobre o controle de convencionalidade, Valério Mazzuoli explica:

“Nesse sentido, entende-se que o controle de convencionalidade (ou o de supralegalidade) deve ser exercido pelos órgãos da justiça nacional relativamente aos tratados aos quais o país se encontra vinculado. Trata-se de adaptar ou conformar os atos ou leis internas aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado, que criam para estes deveres no plano internacional com reflexos práticos no plano do seu direito interno. Doravante, não somente os tribunais internacionais (ou supranacionais) devem realizar esse tipo de controle, mas também os tribunais internos. O fato de serem os tratados internacionais (notadamente os de direitos humanos) imediatamente aplicáveis no âmbito do direito doméstico, garante a legitimidade dos controles de convencionalidade e de supralegalidade das leis no Brasil”.

A doutrina do controle de convencionalidade desenvolvida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A expressão “controle de convencionalidade” foi utilizada pela primeira vez pelo membro da Corte, Juiz García Ramirez, em seu voto separado referente ao caso Myrna Mack Chang v. Guatemala, conforme trecho destacado:

“Para os propósitos da Convenção Americana e o exercício da jurisdição contenciosa da Corte Interamericana, o Estado é responsável de forma integral, como um todo. Nesse sentido, a responsabilidade é global, diz respeito ao Estado como um todo e não pode estar sujeita à divisão de atribuições estabelecida pela legislação nacional. Não é possível dividir o Estado internacionalmente, vincular perante a Corte apenas um ou alguns de seus órgãos, entregar-lhes a representação do Estado no julgamento – sem que esta representação tenha repercussões sobre o Estado como um todo – e retirar outros desse regime convencional de responsabilidade, deixando suas ações fora do “controle da convencionalidade” que a jurisdição da Corte internacional traz consigo”.

A obrigação legislativa descrita no artigo 2 da Convenção tem também a finalidade de facilitar a função do Poder Judiciário de modo que o aplicador da lei tenha uma opção clara sobre como resolver um caso particular. Entretanto, quando o Legislativo falha em sua tarefa de suprimir e/ou não adotar leis contrárias à Convenção Americana, o Poder Judiciário permanece vinculado ao dever de garantia estabelecido no artigo 1.1 da mesma e, consequentemente, deve abster-se de aplicar qualquer norma contrária a ela.

A aplicação, por parte de agentes ou funcionários do Estado, de uma lei que viole a Convenção, gera responsabilidade internacional do Estado, sendo um princípio básico do direito da responsabilidade internacional do Estado, reconhecido pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, o fato de que todo Estado é internacionalmente responsável por atos ou omissões de quaisquer de seus poderes ou órgãos que violem os direitos internacionalmente consagrados, segundo o artigo 1.1 da Convenção Americana.

A Corte tem consciência de que os juízes e tribunais internos estão sujeitos ao império da lei e, por isso, são obrigados a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico. Mas quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do aparato estatal, também estão submetidos a ela, o que os obriga a velar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam diminuídos pela aplicação de leis contrárias a seu objeto e a seu fim e que, desde o início, carecem de efeitos jurídicos.

Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de “controle de convencionalidade” entre as normas jurídicas internas aplicadas a casos concretos e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não apenas o tratado, mas também a interpretação que a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana, fez do mesmo.

Os fatos expostos pela Comissão na demanda se referem à falta de investigação e punição dos responsáveis pela execução extrajudicial do senhor Almonacid Arellano, a partir da aplicação do Decreto Lei nº 2.191, Lei de Anistia adotada no Chile em 1978, assim como à falta de reparação adequada em favor de seus familiares.

 

Controle de convencionalidade e Crime de Desacato

Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto San José da CostaCódigo Penal

Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão

  1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
  2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
    1. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
    2. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
  3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.
  4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
  5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

 

No final de 2016, o STJ decidiu que o crime de desacato não era compatível com o ordenamento jurídico em razão do controle de convencionalidade (compatibilidade) entre a lei penal e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

No entendimento “antigo” (2016), o STJ, por sua Quinta Turma, destacou que:

  • A Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário;
  • A adesão ao Pacto de San José significa a transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação, sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos fundamentais internacionalmente Assim, o método hermenêutico mais adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine, composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos.
  • A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo.
  • A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito;
  • Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo abolissem suas respectivas leis de desacato;
  • O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.) pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público.

No entanto, o entendimento mais recente (maio de 2017), e também prevalecente, em razão de ter sido proferido pela Terceira Seção do STJ, é de que o crime de desacato permanece legalmente tipificado como crime no ordenamento brasileiro. Segundo a Corte, as principais razões que fundamentaram a decisão seguem elencadas:

  • Segundo o ministro Antônio Saldanha Palheiro, autor do voto vencedor, a tipificação do desacato como crime é uma proteção adicional ao agente público contra possíveis “ofensas sem limites’;
  • A figura penal do desacato não prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar, “desde que o faça com civilidade e educação”;
  • A responsabilização penal por desacato existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções;
  • A exclusão do desacato como tipo penal não traria benefício concreto para o julgamento dos casos de ofensas dirigidas a agentes públicos. Com o fim do crime de desacato, as ofensas a agentes públicos passariam a ser tratadas pelos tribunais como injúria, crime para o qual a lei já prevê um acréscimo de pena quando a vítima é servidor público;
  • Apesar da posição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ser contrária à criminalização do desacato, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão que efetivamente julga os casos envolvendo indivíduos e estados, já deixou claro em mais de um julgamento que o direito penal pode responder a eventuais excessos na liberdade de expressão.

Teoria da dupla compatibilidade vertical material: a teoria da dupla compatibilidade vertical material alerta, desta forma, para que o controle de compatibilidade seja realizado tanto diante das normas constitucionais como das normas internacionais de direitos humanos.

Conflito entre a jurisprudência da Corte IDH e o STF: vamos apresentar abaixo o conflito entre a decisão do STF sobre a compatibilidade da Lei da Anistia com o ordenamento jurídico brasileiro e a decisão da Corte IDH sobre a incompatibilidade da Lei da Anistia com a Convenção Americana de Direitos Humanos.

 

  • Primeiro Caso Concreto – ADPF: n. 153, sendo analisada a compatibilidade da Lei da Anistia, Lei n. 6683 de 28 de agosto de 1979.

Artigo da Lei Central da Discussão:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado).

§ 1º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

§ 2º – Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.

§ 3º – Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º.

Síntese: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), parte autora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), questionou a anistia aos representantes do Estado (policiais e militares) que, durante o regime militar, praticaram atos de tortura. A ADPF contestou a validade do primeiro artigo da Lei da Anistia (6.683/79), que considera como conexos e igualmente perdoados os crimes “de qualquer natureza” relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.

A OAB pediu ao Supremo uma interpretação mais clara desse trecho da lei de forma que a anistia concedida aos autores de crimes políticos e seus conexos (de qualquer natureza) não se estenda aos crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores.

Para a Ordem Brasileira dos Advogados, seria irregular estender a anistia de natureza política aos agentes do Estado, pois, conforme a entidade, os agentes policiais e militares da repressão política não teriam cometido crimes políticos, mas comuns. Isso porque os crimes políticos seriam apenas aqueles contrários à segurança nacional e à ordem política e social (cometidos apenas pelos opositores ao regime).

Decisão: o STF julgou improcedentes os pedidos da OAB, reconhecendo a validade e constitucionalidade da lei da anistia.

 

  • Segundo caso concreto: Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil.

Síntese: Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte IDH o esse caso, acusando o Estado brasileiro de “responsabilidade [do Estado] pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil […] e camponeses da região, […] resultado de operações do Exército brasileiro empreendidas entre 1972 e 1975, com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar do Brasil (1964–1985)”.

Para a CIDH: “em virtude da Lei nº 6.683/79 […], o Estado não realizou uma investigação penal com a finalidade de julgar e punir as pessoas responsáveis pelo desaparecimento forçado de 70 vítimas e a execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva […]; porque os recursos judiciais de natureza civil, com vistas a obter informações sobre os fatos, não foram efetivos para assegurar aos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada

o acesso à informação sobre a Guerrilha do Araguaia; porque as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito de acesso à informação pelos familiares; e porque o desaparecimento das vítimas, a execução de Maria Lúcia Petit da Silva, a impunidade dos responsáveis e a falta de acesso à justiça, à verdade e à informação afetaram negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada”.

A Comissão solicitou ao Tribunal que declare que o Estado é responsável pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conexão com as obrigações previstas nos artigos 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da mesma Convenção. Finalmente, solicitou à Corte que ordene ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação”.

Decisão: em 24/11/2010, a CORTE IDH condenou o Estado brasileiro, considerando, dentre outros aspectos, a incompatibilidade da Lei de Anistia com a Convenção Americana de Direitos Humanos. A Corte IDH há havia se pronunciado anteriormente ao caso brasileiro sobre a incompatibilidade das anistias com a Convenção Americana em casos de graves violações dos direitos humanos (Barrios Altos e La Cantuta vs. Peru; Almonacid Arellano e outros vs. Chile).

Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana, as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos. Em consequência, não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.

Justiça de transição e suas dimensões: a justiça de transição possui conceito formulado pela ONU, qual seja:

“A justiça de transição é conceituada como o conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e não judiciais) e estratégias para enfrentar o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades” (Conforme documento produzido pelo Conselho de Segurança da ONU – UN Security Council- The rule of law and transitional justice in conflictand post-conflictsocieties. Report Secretary- General, S/2004/616)”.

As dimensões consistem em: justiça, verdade, reparação e reformulação das instituições.

André de Carvalho Ramos sintetiza o conceito e as dimensões: “A justiça de transição consiste em um conjunto de dispositivos que regula a restauração do Estado de Direito após regimes ditatoriais ou conflitos armados internos, englobando quatro dimensões (ou facetas):

(I) direito à verdade e à memória;

(II) o direito à reparação das vítimas;

(III) o dever de responsabilização dos perpetradores das violações aos direitos humanos e, finalmente;

(IV) a formatação democrática das instituições protagonistas da ditadura (por exemplo, as Forças Armadas)”.

A palavra-chave para esse conceito é a transição de um regime político a outro, em que há expectativa que se consolide valores democráticos. No caso brasileiro, é a passagem do regime ditatorial para o regime democrático. A sentença do caso “Gomes Lund” condena o Brasil em razão da ausência de punição/responsabilização daqueles que violaram gravemente os direitos humanos.

Não se deve olvidar, no entanto, que ações positivistas sob a perspectiva da justiça de transição foram adotadas pelo Brasil:

  • a atuação da Comissão Especial de Mortos Desaparecidos (Lei no 9.140/95);
  • o trabalho da Comissão de Anistia, no âmbito do Ministério da Justiça (Lei no 10.559/02);
  • a criação do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado Memórias Reveladas, institucionalizado pela Casa Civil da Presidência da República e implantado no Arquivo Nacional;
  • a instituição do 3º Programa Nacional de Direito Humanos – PNDH (Instituído pelo Decreto Presidencial no 7.037/09) tratando da Justiça de Transição;
  • A Comissão Nacional da Verdade (Lei no 2.528/11) e;
  • A Comissão Estadual da Verdade – Teresa Urban, do Paraná (Lei no 17.362/12).

Por outro lado, há severas críticas à forma como se procedeu a justiça de transição no Brasil. Para a historiadora Maria Paula Araújo: “A justiça de transição no nacional”.

ADPF n. 153Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil
Decisão: contra a revisão da Lei da AnistiaDecisão: incompatibilidade da Lei da Anistia com a CADH

 

Soluções apresentadas diante da divergência entre o STF e a Corte IDH:

André de Carvalho Ramos adota como premissa, nestes casos de divergência, o fato de que “não há conflito insolúvel entre as decisões do STF e da Corte de San José, uma vez que ambos os tribunais têm grave incumbência de proteger os direitos humanos. Eventuais conflitos são apenas conflitos aparentes, fruto do pluralismo normativo que assola o mundo de hoje, aptos a serem solucionados pela via hermenêutica”.

Ramos aposta em dois instrumentos: o Diálogo das Cortes, que atua de forma preventiva, em que o STF utilizaria o entendimento de diversos órgãos internacionais sobre tratados de direitos humanos em que o Brasil se comprometeu. Contudo, destaca que os juízes brasileiros não estariam obrigados ao Diálogo das Cortes, em razão da independência funcional e do Estado Democrático de Direito.

Caso o diálogo não aconteça, Ramos aponta o segundo instrumento, qual seja: a teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos, reconhecendo-se “a atuação em separado do controle de constitucionalidade (STF e juízos nacionais) e do controle de convencionalidade (Corte de San José e outros órgãos de direitos humanos do plano internacional). Os direitos humanos, então, possuem no Brasil uma dupla garantia: o controle  de  constitucionalidade  nacional  e  o  controle  de  convencionalidade internacional. Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles, para que sejam respeitados os direitos no Brasil”.

Por fim, neste tópico de controle de convencionalidade, é válido ainda sobre a Teoria do Trapézio.

Flávia Piovesan apresenta, em corrente minoritária, a Teoria do Trapézio em em contraposição à pirâmide de Kelsen. Para a autora, a cultura jurídica latino- americana fundou-se por mais de um século na: “pirâmide com a Constituição no ápice da ordem jurídica, tendo como maior referencial teórico Hans Kelsen, na afirmação de um sistema jurídico endógeno e autorreferencial (observa-se que, em geral, Hans Kelsen tem sido equivocadamente interpretado, já que sua doutrina defende o monismo com a primazia do Direito Internacional – o que tem sido tradicionalmente desconsiderado na América Latina)”.

No entanto, diante desse paradigma tradicional e a emergência de um novo paradigma, a figura emblemática e parâmetro deixa de ser a pirâmide, para destacar evidenciar “o trapézio com a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos no ápice da ordem jurídica (com repúdio a um sistema jurídico endógeno e autorreferencial, destacando-se que as Constituições latino-americanas estabelecem cláusulas constitucionais abertas, que permitem a integração entre a ordem constitucional e a ordem internacional, especialmente no campo dos direitos humanos, ampliando e expandindo o bloco de constitucionalidade)”.

ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

A verificação de convencionalidade envolve examinar se os atos internos (sejam eles de ação ou omissão) estão em conformidade com as normas internacionais, que podem incluir tratados, costumes internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais e resoluções vinculantes de organizações internacionais.

O controle de convencionalidade é o melhor instrumento para identificar as disparidades entre as abordagens internacional e nacional dos direitos. Avalia-se uma norma ou decisão local (que já considerou os direitos em conflito) com base nos critérios de interpretação internacional.

Há duas subcategorias:

1) o controle de convencionalidade de matriz internacional, também denominado controle de convencionalidade autêntico ou definitivo; e

2) o controle de convencionalidade de matriz nacional, também denominado provisório ou preliminar.

O controle de convencionalidade de matriz internacional é, em geral, atribuído a órgãos internacionais compostos por julgadores independentes, criados por tratados internacionais, para evitar que os próprios Estados sejam, ao mesmo tempo, fiscais e fiscalizados, criando a indesejável figura do judex in causa sua. Na seara dos direitos humanos, exercitam o controle de convencionalidade internacional os tribunais internacionais de direitos humanos (Cortes Europeia, Interamericana e Africana), os comitês onusianos, entre outros.

Há ainda o controle de convencionalidade de matriz nacional, que vem a ser o exame de compatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas, realizado pelos próprios juízes internos. Esse controle nacional foi consagrado na França em 1975 (decisão sobre a lei de interrupção voluntária da gravidez), quando o Conselho Constitucional, tendo em vista o art. 55 da Constituição francesa sobre o estatuto supralegal dos tratados, decidiu que não lhe cabia a análise da compatibilidade de lei com tratado internacional. Essa missão deve ser efetuada pelos juízos ordinários, sob o controle da Corte de Cassação e do Conselho de Estado.

No Brasil, o controle de convencionalidade nacional no âmbito dos direitos humanos envolve a avaliação da conformidade das leis com os tratados internacionais de direitos humanos. Essa análise é conduzida pelos juízes e tribunais brasileiros durante a apreciação de casos concretos, nos quais é necessário deixar de aplicar os atos normativos que contrariem os tratados.

Os controles nacionais e o controle de convencionalidade internacional interagem, permitindo o diálogo entre o Direito Interno e o Direito Internacional, em especial quanto às interpretações fornecidas pelos órgãos internacionais cuja jurisdição o Brasil reconheceu.

 

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