1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E ASPECTOS GERAIS
a) A primeira norma a tratar de organização criminosa em nosso ordenamento jurídico foi a Lei 9.034/95, que trazia o seguinte preceito em seu artigo 1º:
Art. 1º Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.
Esta lei não definia o que era organização criminosa.
b) No ano de 2004, com o advento da Convenção de Palermo, inserida em nosso ordenamento jurídico através do Decreto Presidencial 5.015/2004, passou-se a utilizar a seguinte definição de organização criminosa:
Art. 2. a) “Grupo criminoso organizado” – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.
Nessa época, os operadores do direito se valiam dos instrumentos operacionais de prevenção e repressão da Lei 9.034/95, aliados à definição de organização criminosa da Convenção de Palermo. Ocorre que a utilização da definição de organização criminosa trazida pela Convenção de Palermo passou a receber diversas críticas, dentre elas:
A questão foi enfrentada pelo STF, que entendeu que a definição prevista na Convenção de Palermo é inaplicável em âmbito interno:
TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE.
A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria. (HC 96007/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12/06/2012).
c) Prosseguindo, a primeira norma interna a definir organização criminosa foi a Lei 12.694/12:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
A Lei 12.694/12 também trouxe a possibilidade de formação de um órgão colegiado de 1º grau, para processamento e julgamento dos crimes praticados por organizações criminosas:
Art. 1º Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:
I – decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;
II – concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;
III – sentença;
IV – progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;
V – concessão de liberdade condicional;
VI – transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e
VII – inclusão do preso no regime disciplinar
§1º O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.
§ 3º A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado.
§ 4º As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.
§ 5º A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.
§ 6º As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.
§ 7º Os tribunais, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados para o seu funcionamento.
Observe que não se trata de um processo com “juiz sem rosto”, como houve na Itália, em que o nome do juiz era sigiloso. Aqui, os nomes dos juízes já são conhecidos; o que se busca é evitar a personalização do processo em um único magistrado.
O STF enfrentou questão relativa ao órgão colegiado de 1º grau, e se posicionou pela constitucionalidade de referida norma (ADI 4414/AL, Rel. Min. Luiz Fux, j. 31/05/2012).
Ademais, a Lei 12.694/12 não revogou a Lei 9.034/95. Ambas tratavam de organização criminosa.
Embora a Lei 12.694/12 tenha definido organização criminosa, a sua tipificação (crime autônomo) somente veio ocorrer com a promulgação da Lei 12.850/13. As questões disciplinadas pela Lei 12.850/13 são as seguintes:
Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
Ainda, houve inovação quanto à definição de organização criminosa:
Art. 1º, § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
A definição trazida pela Lei 12.850/13 é posterior e deve prevalecer sobre a existente na Lei 12.694/12.
No tocante ao órgão colegiado de 1º grau, previsto na Lei 12.694/12, a Lei 12.850/13 não tratou do tema, tampouco o revogou, razão pela qual permanece vigente. Ainda, a Lei 12.850/13, em seu art. 26, revogou a Lei 9.034/95.
Cabe ressaltar que os instrumentos procedimentais previstos na Lei 12.850/13 não são exclusivos para investigações envolvendo organizações criminosas:
Art. 1º, § 2º Esta Lei se aplica também:
I – às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II – às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos.
Além das hipóteses previstas nos incisos, vale destacar alguns dispositivos:
Lei 13.260/16 (Terrorismo) – Art. 16. Aplicam-se as disposições da Lei nº 12.850/2013, para a investigação, processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei.
1.1 Jurisprudência selecionada
Lei 12.850/13 e direito intertemporal –
“(…) A Lei n. 12.850/2013, de um lado, tipifica crimes e, de outro, trata do procedimento criminal, sendo manifesto seu caráter misto, ou seja, possui regras de direito material e de direito processual, sendo a previsão do afastamento do sigilo dos acordos de delação premiada norma de natureza processual, devendo obedecer ao comando de aplicação imediata, previsto no art. 2º do Código de Processo Penal.
4. Não há óbice a que a parte material da Lei n. 12.850/2013 seja aplicada somente ao processo de crimes cometidos após a sua entrada em vigor e a parte processual siga a regra da aplicabilidade imediata prevista no Código de Processo Penal.
5. Nada impede a aplicação da norma que afasta o sigilo dos acordos de delação premiada, no estágio em que a ação penal se encontra, pois, além de já ter sido recebida a denúncia, momento que a lei exige para que seja afastado o sigilo, o Código de Processo Penal adotou, em seu art. 2º, o sistema de isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova não atinge os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior, porém é aplicável aos atos processuais que ainda não foram praticados, pouco importando a fase processual em que o feito se encontrar (…).
6. Reforça a aplicação imediata da referida regra processual a observância do princípio constitucional da ampla defesa, uma vez que a norma trata da publicidade dos acordos de delação premiada aos demais corréus da ação penal. 7. Inexiste direito adquirido ao sigilo dos acordos de delação premiada e não se está a tratar da prática de um ato processual de efeitos preclusivos, situações que poderiam impedir a não aplicação da nova norma processual à ação penal em questão (…)”
(HC 282253/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., j. 25/03/2014, v.u.).
2. CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
Bem jurídico: a paz pública.
Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa (crime comum). Ainda, trata-se de crime de concurso necessário ou crime plurissubjetivo.
Sujeito passivo: a coletividade (delito vago).
Condutas típicas: promover, constituir, financiar, integrar. Trata-se de tipo misto alternativo. Os núcleos do tipo penal podem ser praticados pessoalmente ou por interposta pessoa.
Para que o delito esteja configurado não é necessário que todos os integrantes da organização criminosa sejam identificados. Ademais, o ilícito penal em questão restará demonstrado, ainda que parte dos integrantes seja menor de idade.
Além disso, para a configuração do delito, as condutas típicas devem ser realizadas visando à concretização ou manutenção de uma organização criminosa, cujo conceito encontra previsão no art. 1º da Lei de Organização Criminosa, ou seja, estamos diante de uma norma penal em branco homogênea.
Assim sendo, para a caracterização da organização criminosa, segundo o art. 1º da Lei 12.850/13, se faz necessário:
Elemento subjetivo: dolo. Além do dolo, é imprescindível o animus associativo, ou seja, finalidade específica de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais.
Consumação: ocorre com a realização de um dos núcleos do tipo penal. Trata- se de crime formal e, segundo prevalece na doutrina, permanente.
Lembrando que:
Súmula 711 do STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.
Para a doutrina majoritária, o delito em tela não admite tentativa. Nos dizeres de Nucci, “não admite tentativa, pois o delito é condicionado à existência de estabilidade e durabilidade para se configurar”.
Haverá concurso material (art. 69 do Código Penal) dos crimes eventualmente praticados pela organização criminosa. Nesse sentido, estabelece o preceito secundário: “sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas”. Em razão da pena mínima cominada (3 anos), incabível a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95).
Trata-se de um crime hediondo, conforme consta expressamente da Lei 8.072/90 (art. 1º, parágrafo único, V), mas desde que a organização criminosa seja direcionada à prática de crime hediondo ou equiparado.
ATENÇÃO! Não confundir com a figura penal do art. 288 do CP ou com o art. 35 da Lei de Drogas. Certifique-se de ter memorizado os três artigos integralmente. |
Associação para o Tráfico | Associação Criminosa | Organização Criminosa |
Lei 11.343/06 | Código Penal | Lei 12.850/13 |
Art. 35. Associarem-se DUAS ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: | Art. 288. Associarem-se TRÊS ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: | Art. 1º, § 1º Considera-se organização criminosa a associação de QUATRO ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional. |
Pena – reclusão, de 3 a 10 anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. | Pena – reclusão, de 1 a 3 anos. | Pena – reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. |
ATENÇÃO 2! A mera união de agentes, episódica, para praticar um crime qualquer não configura associação criminosa nem organização criminosa. |
2.1 Condutas equiparadas – Obstrução ou embaraço de investigação de infração penal referente à organização criminosa:
Art. 2º, § 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
Bem jurídico: a Administração da Justiça. Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo: o Estado e a coletividade.
Condutas típicas: impedir (obstar, não permitir) ou embaraçar (atrapalhar, perturbar). Trata-se de tipo misto alternativo. As condutas podem ser praticadas por qualquer forma (violência, grave ameaça, fraude etc.).
No tocante ao momento em que o delito pode ser praticado, indaga-se:
Ainda no que toca à expressão “investigação”, como o legislador não especificou a espécie de investigação, parte da doutrina entende que seria possível a punição de condutas exercidas em inquérito policial ou em qualquer outro tipo de procedimento investigatório criminal, desde que envolva organização criminosa (ex.: investigação presidida pelo Ministério Público).
Consumação: ocorre com a obstrução da investigação (impedir) e/ou com qualquer outro comportamento que indique empecilho (embaraçar).
Admite-se a tentativa.
2.2 Causas de aumento de pena – Emprego de arma de fogo
Art. 2º, § 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.
A causa de aumento (aplicável na 3ª fase da dosimetria) se aplica tanto ao crime do caput como à conduta equiparada.
A utilização de arma que não seja de fogo poderá servir para exasperação da pena base.
A apreensão da arma de fogo se mostra dispensável para o fim de incidência de referida majorante. Nesse caso, adota-se o mesmo entendimento para o caso de roubo com emprego de arma de fogo quando a arma não é apreendida.
Há ainda as seguintes causas de aumento:
Art. 2º, § 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
2.3 Agravante de pena (comando da organização – autor intelectual ou de escritório)
Art. 2º, § 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
A agravante (aplicável na 2ª fase da dosimetria) se aplica tanto ao crime do caput quanto à conduta equiparada.
Não pode ser aplicada com a agravante genérica do art. 62, inciso I, do CP, pois configuraria bis in idem (“Art. 62 – A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”).
2.4 Cautelar de afastamento
Art. 2º, § 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.
Há medida cautelar genérica semelhante no CPP (art. 319, inciso VI).
Referida medida cautelar pode ser decretada em qualquer fase da persecução penal (investigatória ou processual), desde que necessária à investigação ou instrução processual, isto é, não basta ser conveniente.
ATENÇÃO! Diferentemente do que ocorre no art. 2º, § 5º, da Lei 12.850/13, a Lei de Lavagem de Capitais impõe o afastamento como consequência do indiciamento, sem que haja necessidade de determinação judicial. Vejamos: Lei 9.613/98 – Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno. |
2.5 Efeitos da condenação
Art. 2º, § 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 anos subsequentes ao cumprimento da pena.
Trata-se de efeito automático, ou seja, não há necessidade de expressa motivação por parte do magistrado.
A perda de mandato eletivo congressista (deputado estadual – por força do art. 27, § 1º, da Constituição Federal – deputado federal ou senador) como efeito da condenação, será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa, nos moldes do art. 55, § 2º, da Constituição Federal.
ATENÇÃO! Diferentemente do que ocorre com o art. 2º, § 6º, da Lei 12.850/13, o Código Penal exige um quantum mínimo de pena aplicada para que o efeito da condenação em comento possa ser efetivado. Vejamos: Art. 92. São também efeitos da condenação: I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
Outra diferença que encontramos na legislação penal diz respeito à Lei de Tortura, que, em seu art. 1º, § 5º, considera a perda do cargo como um efeito extrapenal automático, obrigatório e independente de fundamentação para sua efetivação. Vejamos: Lei 9.455/97, art. 1º, § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. STJ: “A perda do cargo público é efeito automático e obrigatório da condenação pela prática do crime de tortura (art. 1º, § 5º da Lei 9.455/97), prescindindo inclusive de fundamentação” (HC 134.218/GO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 08/09/2009). |
2.6 Policial investigado
Art. 2º, § 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.
Trata-se de desdobramento lógico do controle externo da polícia exercido pelo MP, dever constitucionalmente previsto (art. 129, inciso VII, CF).
2.7 Cumprimento de pena
A execução da pena no âmbito das organizações criminosas foi endurecida, com a publicação da Lei 13.964/19, que inseriu dois novos parágrafos no art. 2º da Lei 12.850/13.
A primeira mudança, contida no § 8º do art. 2º, indica que os líderes da organização criminosa armada deverão iniciar o cumprimento em estabelecimento penal de segurança máxima.
Art. 2º, § 8º As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima.
2.8 Progressão de Regime e Livramento condicional
A segunda mudança, promovida pela publicação da Lei 13.964/19, restringe alguns benefícios da execução penal enquanto o indivíduo se mantiver vinculado à organização criminosa.
Art. 2º, § 9º O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo.
3. DOS CRIMES OCORRIDOS NA INVESTIGAÇÃO E NA OBTENÇÃO DA PROVA
Para todos os delitos previsto na seção V da Lei 12.850/13, é possível dizer que o bem jurídico tutelado é o mesmo: a Administração da Justiça. Entretanto, há uma peculiaridade que devemos ressaltar, pois, quando se fala em administração da justiça, devemos compreendê-la em sentido amplo, o que pode ser concluído até mesmo pelo título da seção “Dos Crimes Ocorridos na Investigação e na Obtenção da Prova”.
Assim sendo, a proteção do bem jurídico que ora se tutela, concretizada pelas figuras previstas nos artigos 18, 19, 20 e 21 da Lei de Organizações Criminosas, abrange tanto os fatos ocorridos na fase judicial (atividade jurisdicional) como na fase de investigações preliminares.
3.1 Revelação de identidade do colaborador
Art. 18. Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Bem jurídico: a Administração da Justiça.
Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum).
Sujeito passivo: o Estado (na obtenção da prova) e o agente colaborador.
Condutas típicas: revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador. Trata-se de crime de ação múltipla, ou seja, a prática de mais de uma conduta no mesmo contexto fático (revelar a identidade, fotografar ou filmar) configura crime único.
Para configuração do crime, é necessário que o sujeito ativo atue sem prévia autorização por escrito do agente colaborador. Nesse sentido, o consentimento do agente colaborador afasta da tipicidade da conduta.
Percebam que tal conduta é penalizada em razão dos direitos garantidos ao agente colaborador, conforme consta no art. 5º, II e V, da Lei 12.850/13. Entretanto, apesar de possuir direitos similares, conforme consta do art. 14, IV, da Lei 12.850/13, a revelação da identidade do agente infiltrado não constitui fato tipificado pelo art. 18 da Lei das Organizações Criminosas. Não obstante, a depender das circunstâncias do caso concreto, a revelação da identidade de um agente infiltrado pode constituir fato tipificado pelo art. 20 da mesma lei.
Elemento subjetivo: dolo. Prevalece que pode ser direto ou eventual.
Consumação: ocorre com a prática de qualquer um dos núcleos. A tentativa é admissível.
Em razão da pena mínima cominada (1 ano), admite-se a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95).
3.2 Colaboração caluniosa ou fraudulenta
Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Bem jurídico: a Administração da Justiça (imediato) e a honra da pessoa inocente (mediato).
Sujeito ativo: o agente colaborador. É crime de próprio.
Sujeito passivo: o Estado e a pessoa inocente.
Elemento subjetivo: dolo direto. Não admite dolo eventual em razão da
expressão “sabe ser inocente”.
Colaboração caluniosa: quando o agente colaborador atribui a alguém (pessoa certa e determinada) infração penal sabidamente falsa. O crime estará caracterizado quando o fato imputado é inexistente (falsidade que recai sobre o fato) ou, quando real o acontecimento, a pessoa apontada é inocente (falsidade que recai sobre a autoria do fato). Nesse sentido, a veracidade do fato imputado afastará a tipicidade da conduta.
Calúnia (art. 138 do CP) | Denunciação caluniosa (art. 339 do CP) | Colaboração caluniosa ou fraudulenta (art. 19 da Lei 12.850/13) |
Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa. | Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: Pena – reclusão, de 2 a 8 anos, e multa. §1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto. §2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. | Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe ser inverídicas: Pena – reclusão, de 1 a 4 anos, e multa. |
ATENÇÃO! Se o colaborador, por erro de percepção, fornece informações inverídicas, não há crime, pois não existe má-fé.
Consumação: ocorre com a falsa imputação ou com a revelação de informações não verdadeiras. Admite-se a tentativa.
Em razão da pena mínima cominada (1 ano), admite-se a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95).
3.3 Quebra de sigilo de ação controlada e infiltração de agentes
Art. 20. Descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum).
Sujeito passivo: o Estado e o agente infiltrado.
Elemento subjetivo: dolo direito ou eventual.
Consumação: ocorre com a quebra do sigilo determinado, não havendo necessidade de resultado naturalístico – crime formal.
Em razão da pena mínima cominada (1 ano), admite-se a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95).
ATENÇÃO! O delito previsto no art. 20 da Lei 12.850/13 possui relação de maior especialidade relativamente ao delito previsto no art. 325 do Código Penal. Assim sendo, se o ato de revelar o fato disser respeito especificamente às investigações sobre ação controlada ou infiltração de agentes, o delito a ser imputado deve ser aquele previsto na Lei das Organizações Criminosas. Nos demais casos, aplicar-se-á o delito previsto no CP – ex.: se o fato revelado disser respeito à colaboração premiada, restará configurado o delito previsto no art. 325 do CP. Violação de sigilo funcional – Art. 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. |
3.4 Recusa ou omissão de informação requisitada pela autoridade
Art. 21. Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, de forma indevida, se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei.
Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum).
Sujeito passivo: o Estado.
Recusar: rejeitar, não admitir; omitir: não atender. Trata-se de tipo misto alternativo.
Elemento subjetivo: dolo direto ou eventual.
Consumação: ocorre com a efetiva recusa ou omissão. Não admite tentativa, pois o delito é omissivo próprio, de modo que praticado num único ato.
Já a figura do parágrafo único pune quem “de forma indevida, se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei”. Também é um tipo misto alternativo (a prática de mais de uma conduta no mesmo contexto fático enseja crime único). Consuma-se com a prática das condutas descritas no tipo (crime formal), sendo possível a tentativa (embora de difícil ocorrência).
ATENÇÃO! O delito previsto no art. 21 da Lei 12.850/13, além de não poder ser confundido com o delito previsto no art. 10 da Lei 7.347/85, possui relação de maior especialidade relativamente ao delito previsto no art. 330 do Código Penal. Lei 7.347/85 – Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público. Código Penal – Desobediência – Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa. |
4. DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 22. Os crimes previstos nesta Lei e as infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento ordinário previsto no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), observado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. A instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu.
Art. 23. O sigilo da investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia das diligências investigatórias, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
Parágrafo único. Determinado o depoimento do investigado, seu defensor terá assegurada a prévia vista dos autos, ainda que classificados como sigilosos, no prazo mínimo de 3 (três) dias que antecedem ao ato, podendo ser ampliado, a critério da autoridade responsável pela investigação.
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