1. Introdução ao Sistema Regional Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos
Após a criação e o desenvolvimento inicial do Sistema Global de proteção dos direitos humanos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), verificou-se um movimento de regionalização dessa proteção. Nesse contexto, constituíram-se, respectivamente, os sistemas Europeu, Interamericano e Africano de proteção dos direitos humanos.
O Sistema Regional Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos é administrado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e conta com órgãos específicos e competentes para o monitoramento do cumprimento dos instrumentos jurídicos de direitos humanos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
2. Instrumentos Jurídicos Fundamentais do Sistema Interamericano
O sistema interamericano se fundamenta em diversos instrumentos jurídicos, sendo o principal deles a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”, de 1969. Contudo, outros documentos desempenham um papel crucial na formação e operação do sistema.
2.1. Carta da Organização dos Estados Americanos (Carta da OEA ou Carta de Bogotá)
A Carta da OEA é um tratado multilateral aberto que constituiu formalmente a Organização dos Estados Americanos. Foi firmada em 1948, na cidade de Bogotá, Colômbia, e entrou em vigor em 13 de dezembro de 1951, sendo promulgada no Brasil pelo Decreto nº 30.544, de 14 de fevereiro de 1952.
Embora a Carta da OEA não consagre um catálogo específico de direitos humanos, ela estabelece, em seu artigo 3º, alínea “l”, um princípio fundamental segundo o qual “Os Estados americanos proclamam os direitos fundamentais da pessoa humana, sem fazer distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo”.
O artigo 2º da Carta da OEA define os propósitos essenciais da Organização, que incluem: garantir a paz e a segurança continentais; promover e consolidar a democracia representativa, respeitando o princípio da não intervenção; prevenir conflitos e assegurar a solução pacífica de controvérsias; organizar a ação solidária em caso de agressão; buscar soluções para problemas políticos, jurídicos e econômicos; promover o desenvolvimento econômico, social e cultural; erradicar a pobreza crítica; e alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais.
A OEA atinge seus objetivos por meio de diversos órgãos, como a Assembleia Geral, a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, os Conselhos (Permanente e Interamericano de Desenvolvimento Integral), a Comissão Jurídica Interamericana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Secretaria Geral, entre outros. É importante notar que a Corte IDH não é prevista como um órgão da OEA, mas sim como um órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos.
2.2. Carta Democrática Interamericana
A Carta Democrática Interamericana, adotada como uma resolução da OEA em 11 de setembro de 2001, não possui a natureza jurídica de um tratado e, portanto, não é juridicamente vinculante. No entanto, ela representa um documento central da OEA ao destacar a democracia como um compromisso fundamental dos Estados membros.
Sua estrutura compreende 28 artigos distribuídos em seis capítulos que abordam a democracia e o sistema interamericano, a democracia e os direitos humanos, democracia, desenvolvimento integral e combate à pobreza, o fortalecimento e a preservação da institucionalidade democrática, a democracia e as missões de observação eleitoral, e a promoção da cultura democrática.
2.3. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (DADDH)
Aprovada na Nona Conferência Internacional Americana, em Bogotá, no ano de 1948, simultaneamente à Carta da OEA, a Declaração Americana não é um tratado e, portanto, não possui força jurídica vinculante direta, sendo considerada um ato de soft law. Foi aprovada alguns meses antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e, embora tenha se inspirado nos trabalhos preparatórios desta, possui características próprias.
Apesar de sua natureza não vinculante, a doutrina majoritária entende que a DADDH possui caráter obrigatório em razão de se configurar como um costume internacional, um princípio geral do direito internacional ou uma interpretação autêntica da Carta da OEA no que concerne aos direitos humanos. Politicamente, serviu de inspiração para tratados posteriores, sendo um referencial importante.
A DADDH abrange direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais (direitos de primeira e segunda dimensão) e, diferentemente da DUDH, faz referência expressa a deveres, inclusive dedicando um capítulo próprio a eles. No entanto, não apresenta em seu corpo instrumentos ou órgãos próprios destinados a tornar sua aplicação compulsória.
2.4. Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH ou Pacto de San José da Costa Rica)
Aprovada em 22 de novembro de 1969 e entrando em vigor em 18 de julho de 1978, a CADH é o principal instrumento jurídico do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Trata especialmente dos direitos civis e políticos, embora mencione a indivisibilidade dos direitos humanos e aborde os direitos econômicos, sociais e culturais de forma mais pontual em seu artigo 26. Nesse sentido, assemelha-se mais ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) do sistema global. Atualmente, a CADH é ratificada por 23 países.
O artigo 26 da CADH estabelece o princípio do desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais, comprometendo os Estados Partes a adotarem providências, tanto no âmbito interno quanto por meio da cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, para alcançar progressivamente a plena efetividade desses direitos, na medida dos recursos disponíveis.
O propósito fundamental da CADH é consolidar, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social fundado no respeito dos direitos essenciais do homem. O Brasil promulgou a CADH pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, apresentando uma declaração interpretativa referente aos artigos 43 e 48, alínea “d”, sobre as visitas e inspeções in loco da CIDH, que dependeriam da anuência expressa do Estado.
Diferentemente do PIDCP, a CADH prevê o direito de propriedade em seu artigo 21, assim como a DUDH em seu artigo 17. A CADH é complementada por dois protocolos adicionais: o Protocolo de San Salvador e o Protocolo referente à abolição da pena de morte.
2.5. Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais)
O Protocolo de San Salvador, de 1988, ampliou a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais no âmbito do sistema interamericano. O Brasil o promulgou pelo Decreto nº 3.321, de 30 de dezembro de 1999.
O Protocolo prevê a cláusula de progressiva realização em seu artigo 1º, obrigando os Estados Partes a adotarem medidas necessárias, tanto de ordem interna quanto por meio da cooperação, até o máximo dos recursos disponíveis e levando em conta seu grau de desenvolvimento, para alcançar progressivamente a plena efetividade dos direitos reconhecidos.
Um destaque importante do Protocolo de San Salvador é que ele é o primeiro instrumento no sistema interamericano a prever o direito a um meio ambiente sadio em seu artigo 11.
Os meios de proteção ou monitoramento dos direitos econômicos, sociais e culturais previstos no Protocolo (artigo 19) incluem a apresentação de relatórios periódicos pelos Estados sobre as medidas progressivas adotadas. Adicionalmente, o Protocolo permite que a Comissão seja acionada individualmente em caso de violação dos direitos sindicais (artigo 8º, alínea “a”) e do direito à educação (artigo 13), possibilitando, mediante a participação da CIDH e, quando cabível, da Corte IDH, a aplicação do sistema de petições individuais regulado na CADH.
Contudo, o direito ao meio ambiente sadio não se submete a esse sistema de petições individuais diretas perante a Corte IDH. Apesar disso, a jurisprudência da Corte IDH tem demonstrado uma tendência de tutelar temas ambientais por meio da técnica do greening do direito internacional dos direitos humanos.
2.6. Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte
Firmado em 1990 e promulgado no Brasil pelo Decreto nº 2.754, de 27 de agosto de 1998, este Protocolo é análogo ao segundo protocolo facultativo do PIDCP. Não são admitidas reservas ao Protocolo, exceto a declaração, no momento da ratificação ou adesão, de que o Estado se reserva o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra, conforme o direito internacional, por delitos militares sumamente graves.
2.7. Outros Instrumentos Jurídicos
Além dos instrumentos mencionados, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos conta com outras convenções importantes, tais como:
A compreensão do sistema interamericano exige, portanto, uma análise da complexidade normativa que o compõe, não se limitando apenas à Convenção Americana.
3. Suspensão e Derrogação de Direitos e Garantias
A possibilidade de suspensão ou derrogação de direitos e garantias é prevista tanto no PIDCP (sistema global) quanto na CADH (sistema regional interamericano), embora com algumas diferenças na abordagem e nos direitos que não podem ser derrogados.
A CADH, em seu artigo 27, lista os seguintes direitos que não podem ser suspensos: direito à vida; direito à integridade pessoal; proibição da escravidão e da servidão; proibição da prisão por obrigação contratual; princípio da legalidade e da irretroatividade da lei penal; direito ao reconhecimento da personalidade jurídica; liberdade de consciência e de religião; proteção da família; direito ao nome; direitos da criança; direito à nacionalidade; e direitos políticos.
As situações em que se autoriza a suspensão de outras garantias na CADH são: guerra, perigo público ou outra emergência que ameace a independência ou a segurança do Estado. As medidas tomadas não podem ser incompatíveis com as demais obrigações impostas pelo direito internacional nem acarretar discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social. O Estado que fizer uso do direito de suspensão deve informar imediatamente os outros Estados Partes da Convenção, por intermédio do Secretário-Geral da OEA, sobre as disposições cuja aplicação haja suspendido, os motivos determinantes da suspensão e a data em que a suspensão terminar.
4. Denúncia da Convenção Americana de Direitos Humanos
O artigo 78 da CADH prevê a possibilidade de um Estado Parte denunciar a Convenção, ou seja, solicitar sua retirada do tratado. Essa denúncia só pode ocorrer após expirado um prazo de cinco anos a partir da data da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado e mediante aviso prévio de um ano, notificado ao Secretário-Geral da OEA, que informará as outras Partes. No entanto, a denúncia não exime o Estado Parte das obrigações contidas na Convenção no que diz respeito a atos que possam constituir violação dessas obrigações e que tenham sido cometidos anteriormente à data em que a denúncia produzir efeito.
5. Órgãos de Proteção do Sistema Interamericano
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos conta com dois órgãos principais responsáveis pela proteção e promoção dos direitos humanos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
5.1. Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), responsável pela promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. Sua atuação se fundamenta na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (1948) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969). Nesse sentido, a CIDH atua como órgão consultivo da OEA em relação aos 35 Estados membros e como órgão de fiscalização da CADH em relação aos 23 Estados Partes.
A Comissão é integrada por sete membros independentes que atuam de forma pessoal, não representando nenhum país em particular, sendo eleitos pela Assembleia Geral da OEA. Sua sede está localizada em Washington, D.C. Foi criada pela OEA em 1959.
A CIDH desempenha três funções principais:
O trabalho da CIDH se baseia em três pilares:
As atribuições da CIDH, segundo o artigo 41 da CADH, incluem: estimular a consciência dos direitos humanos; formular recomendações aos governos; preparar estudos e relatórios; solicitar informações aos governos sobre medidas adotadas em matéria de direitos humanos; atender às consultas dos Estados membros sobre questões relacionadas aos direitos humanos e prestar assessoramento; atuar com respeito às petições e outras comunicações; e apresentar um relatório anual à Assembleia Geral da OEA.
Qualquer indivíduo pode apresentar uma petição à Comissão sem a necessidade de constituir advogado. Exemplos de casos brasileiros que tramitaram na CIDH incluem Carandiru, Candelária, Maria da Penha e Diniz Bento da Silva.
5.1.1. Admissibilidade da Petição Individual perante a CIDH
Antes de peticionar diretamente à CIDH, é necessário observar alguns requisitos de admissibilidade, seguindo a regra do prévio esgotamento dos recursos internos. O artigo 46 da CADH estabelece os seguintes requisitos:
No entanto, os requisitos de prévio esgotamento e prazo de seis meses não se aplicam nas seguintes situações:
É importante ressaltar que a regra do prévio esgotamento enfatiza o caráter subsidiário da jurisdição internacional, sendo acionada apenas após a falha ou inadequação dos recursos internos para reparar a violação. O Estado que alega o não esgotamento tem o ônus de indicar os recursos internos que deveriam ter sido utilizados e sua efetividade.
Para a admissibilidade, a CIDH também analisa sua competência ratione personae (em razão da pessoa), ratione loci (em razão do local), ratione temporis (em razão do tempo) e ratione materiae (em razão da matéria).
5.1.2. Procedimento perante a Comissão Interamericana
O procedimento na CIDH compreende as seguintes etapas:
Após o exame do mérito, a CIDH pode elaborar um primeiro relatório (confidencial), no qual formula recomendações ao Estado, que deve cumpri-las em um prazo de três meses. Caso as recomendações não sejam cumpridas e o Estado infrator tenha aceitado a jurisdição contenciosa da Corte IDH, a CIDH pode submeter o caso à Corte. Na ausência de submissão à Corte, a CIDH elabora um segundo relatório (público) e, em caso de descumprimento, encaminha o relatório anual à Assembleia Geral da OEA.
É possível a desistência da petição a qualquer momento perante a CIDH, mediante manifestação escrita, cuja análise caberá à Comissão, que poderá arquivar o caso ou prosseguir em seu trâmite no interesse de proteger um determinado direito.
5.1.3. Medidas Cautelares perante a CIDH
O artigo 25 do Regulamento da CIDH prevê a possibilidade de a Comissão solicitar que um Estado adote medidas cautelares, por iniciativa própria ou a pedido de parte, em situações de gravidade e urgência que apresentem risco de dano irreparável às pessoas ou ao objeto de uma petição ou caso pendente no Sistema Interamericano.
A concessão de medidas cautelares depende da análise da gravidade, urgência e irreparabilidade da situação. As medidas podem proteger pessoas ou grupos de pessoas identificados ou identificáveis por sua localização geográfica ou pertencimento a um grupo. Antes de decidir, a Comissão geralmente solicita informações ao Estado envolvido, salvo em casos de iminência do dano. As decisões sobre medidas cautelares são fundamentadas e não constituem prejulgamento sobre a eventual violação de direitos.
A Comissão avalia periodicamente as medidas vigentes e pode modificá-las ou suspendê-las. Em caso de indeferimento de um pedido de medidas provisórias pela Corte IDH, a Comissão só considerará um novo pedido de medidas cautelares se surgirem fatos novos que o justifiquem.
5.2. Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão jurisdicional internacional, um tribunal supranacional, que não pertence à OEA, mas foi constituído pela Convenção Americana de Direitos Humanos, sendo, portanto, um órgão da Convenção. Apenas 20 Estados da OEA reconheceram sua competência contenciosa. Ao lado da Corte IDH, existem outros tribunais internacionais de direitos humanos, como o Tribunal Penal Internacional (TPI) e a Corte Europeia de Direitos Humanos.
A competência da Corte IDH se divide em contenciosa e consultiva (artigos 62 e 64 da CADH, respectivamente).
5.2.1. Competência Contenciosa
Na função contenciosa, a Corte analisa casos de supostas violações de direitos humanos por Estados Partes na Convenção. Os processos podem ser iniciados pelos Estados Partes ou pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sendo estes os únicos legitimados a submeter um caso à Corte. Após analisar o caso, a Corte pode tentar uma conciliação entre as partes e, caso não seja possível, pode condenar o Estado à reparação do dano, mediante indenização ou obrigação de fazer. Apenas os Estados que reconheceram a competência contenciosa da Corte podem ser submetidos a essa jurisdição.
No Sistema Interamericano, o indivíduo não pode acessar diretamente a Corte IDH. No entanto, o regulamento da Corte admite a participação direta das vítimas demandantes em todas as etapas do procedimento, após a apresentação do caso pela Comissão Interamericana.
A Corte IDH é composta por sete juízes, nacionais dos Estados membros da OEA, eleitos a título pessoal dentre juristas de alta autoridade moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos. Não pode haver dois juízes da mesma nacionalidade, e a formação da Corte para julgamento é sempre plenária, não havendo turmas ou câmaras.
5.2.2. Competência Consultiva
Na função consultiva, qualquer Estado membro da OEA, mesmo que não tenha aceitado a jurisdição contenciosa da Corte IDH, pode apresentar um pedido de opinião consultiva sobre a interpretação da Convenção Americana ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da OEA também podem solicitar opiniões consultivas no que lhes compete. Adicionalmente, a Corte pode emitir pareceres sobre a compatibilidade entre a legislação interna de um Estado membro e os mencionados instrumentos internacionais, a pedido desse Estado.
5.2.3. Medidas Provisórias perante a Corte IDH
As medidas provisórias perante a Corte IDH possuem natureza cautelar e de tutela, visando evitar danos irreparáveis em casos de extrema gravidade e urgência. A legitimidade ativa para requerer medidas provisórias é:
O acompanhamento das medidas provisórias pelas vítimas ocorre diretamente perante a Corte, conforme previsto em seu regulamento.
5.2.4 Amicus Curiae perante a Corte IDH
A participação de amicus curiae (amigos da corte) é permitida perante a Corte IDH, conforme o artigo 44 de seu Regulamento. Um amicus curiae é uma pessoa ou instituição alheia ao litígio que apresenta à Corte fundamentos sobre os fatos ou formula considerações jurídicas sobre a matéria do processo. Nos casos contenciosos, o amicus curiae pode apresentar um escrito em qualquer momento do processo, mas, no mais tardar, até 15 dias após a audiência pública.
Nos casos sem audiência pública, o prazo é de 15 dias após a resolução que concede prazo para alegações finais. Escritos de amicus curiae também podem ser apresentados nos procedimentos de supervisão de cumprimento de sentenças e de medidas provisórias.
5.2.1. Legitimidade Passiva e Natureza das Sentenças
A legitimidade passiva na Corte IDH é sempre do Estado, pois a Corte não julga indivíduos. As sentenças da Corte IDH são definitivas e inapeláveis. Em caso de divergência sobre o sentido ou alcance da sentença, a Corte pode interpretá-la a pedido de qualquer das partes, desde que o pedido seja apresentado dentro de noventa dias a partir da notificação da sentença.
6. Implementação das Decisões do Sistema Interamericano no Ordenamento Interno
As sentenças da Corte IDH dispensam a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) prevista para sentenças estrangeiras, já que se trata de uma sentença internacional. O descumprimento da sentença configura um conflito entre a União e organismo internacional, a ser resolvido na Justiça Federal.
O descumprimento das decisões da Corte IDH pode gerar responsabilização internacional do Estado por configurar uma nova violação de direitos humanos. A sentença é obrigatória para o Estado que reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte e vincula indiretamente todos os demais Estados Partes à Convenção a título de res interpretata.
A Corte Interamericana se encarrega de supervisionar o cumprimento de suas sentenças. O procedimento de supervisão envolve a solicitação periódica de informações ao Estado sobre as atividades desenvolvidas para o cumprimento, a coleta de observações da Comissão e das vítimas ou seus representantes, a avaliação do cumprimento, a orientação das ações do Estado e, se necessário, a convocação de audiências de supervisão.
Em caso de não cumprimento espontâneo da sentença pelo Estado brasileiro, a vítima ou o Ministério Público Federal podem deflagrar ação judicial na Justiça Federal para garantir o efetivo cumprimento, uma vez que as sentenças da Corte valem como título executivo no Brasil, com aplicação imediata. Caso o Estado não cumpra a sentença, a Corte IDH pode informar o fato à Assembleia Geral da OEA em seu relatório anual, fazendo as recomendações pertinentes.
A eficácia imediata das sentenças decorre do artigo 68, item 1, da CADH, que obriga os Estados Partes a cumprirem as decisões da Corte em todos os casos em que forem partes. A parte da sentença que determinar indenização compensatória pode ser executada no país respectivo pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado.
A teoria da quarta instância não é admitida no Sistema Interamericano, pois não se aceita a jurisdição internacional como revisora hierárquica da jurisdição dos Estados soberanos. A CIDH não atua como tribunal de apelação para revisar supostos erros de fato ou de direito cometidos pelos tribunais nacionais, a menos que a decisão judicial viole direitos garantidos pela Convenção. A denúncia internacional deve se basear na violação das normas de direitos humanos reconhecidas na Convenção ou Declaração Americanas, e não em erros dos tribunais nacionais. A função da Corte IDH não é revogar decisões dos tribunais internos, mas sim promover um diálogo com os países para que respeitem e cumpram as normas da Convenção Americana.
7. Obrigações dos Estados de Prover os Recursos Internos
A obrigação dos Estados Partes de prover recursos internos eficazes é fundamental nos tratados de direitos humanos, constituindo a base para a exigência do prévio esgotamento desses recursos pelos indivíduos antes de levarem o caso aos órgãos internacionais. A proteção dos direitos humanos está intrinsecamente ligada à obrigação dos Estados de fornecerem mecanismos internos de proteção judicial eficazes, atribuindo maior responsabilidade aos tribunais internos na implementação das normas internacionais. A inadequação desses recursos pode gerar dupla responsabilidade para o Estado: pela violação inicial e por não prover meios internos aptos a reparar o dano.
A regra do prévio esgotamento permite ao Estado resolver o problema conforme seu direito interno antes de enfrentar um processo internacional, reforçando o caráter subsidiário da jurisdição internacional. Proporcionar tais recursos é um dever jurídico dos Estados, que devem assegurar recursos judiciais efetivos às vítimas de violação de direitos humanos, substanciados de conformidade com as regras do devido processo legal, dentro da obrigação geral de garantir o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos pela Convenção.
Os recursos internos a serem esgotados não se referem apenas à sua existência formal, mas também devem ser adequados e efetivos para proteger a situação jurídica infringida. Um recurso inadequado para a finalidade pretendida não precisa ser esgotado.
8. Políticas de Acesso à Justiça das Pessoas em Situação de Vulnerabilidade
O direito à assistência jurídica é fundamental e previsto tanto na Constituição Federal de 1988 quanto em tratados internacionais de direitos humanos. A assistência jurídica gratuita é uma obrigação do Estado e um direito fundamental de quem dela necessitar, abrangendo a defesa em juízo, a informação do direito e a tutela administrativa e extrajudicial. O Brasil adotou o modelo público de Defensoria Pública para realizar essa assistência integral e gratuita.
A Defensoria Pública, conforme a Lei Complementar nº 132/09 e a Emenda Constitucional nº 80/2014, é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, sendo reconhecida como instrumento do regime democrático. A noção de “necessitados” abrange uma visão mais ampla ligada à vulnerabilidade, para além da insuficiência de recursos.
A OEA, por meio de diversas resoluções (soft law), tem recomendado aos Estados membros a adoção do modelo público de Defensoria Pública, com autonomia e independência funcional, financeira e administrativa, como garantia de acesso à justiça para pessoas em condição de vulnerabilidade. Essas resoluções reforçam a necessidade de implementar e fortalecer a Defensoria Pública nos Estados membros.
8.1. Defensor Público Interamericano
Embora a CIDH originariamente atuasse em favor das supostas vítimas, seu papel atual é mais fiscalizatório, visando a promoção e proteção dos direitos humanos em casos concretos. A função de atuar em favor das vítimas que não podem contratar advogado é exercida pelo Defensor Interamericano.
O Regulamento da Corte IDH prevê a figura do Defensor Interamericano, que pode ser designado de ofício pela Corte para representar supostas vítimas sem representação legal devidamente credenciada. A Associação Interamericana de Defensorias Públicas (AIDEF) é responsável pela indicação do Defensor Interamericano, atuando por meio de mandato. A atuação do Defensor Interamericano pode ocorrer tanto na CIDH quanto na Corte IDH.
8.2. Regras de Brasília
As “Regras de Brasília”, ou “100 Regras”, adotadas pela Cúpula Judicial Ibero- americana, trazem regras básicas relativas ao acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade. Elaboradas por um Grupo de Trabalho e aprovadas na XIV Conferência Judicial Ibero-americana em 2008, não constituem um tratado de direito internacional.
O objetivo das Regras é garantir as condições de acesso efetivo à justiça para pessoas em condição de vulnerabilidade, sem discriminação, englobando políticas, medidas, facilidades e apoios que permitam o pleno gozo dos serviços do sistema judicial. Recomenda-se a elaboração, aprovação, implementação e fortalecimento de políticas públicas que garantam esse acesso, priorizando as pessoas em maior vulnerabilidade.
A vulnerabilidade, conforme as Regras, não se limita à hipossuficiência econômica, mas indica uma situação social ou organizacional que dificulta o acesso à justiça. Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razões de idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercer plenamente seus direitos perante o sistema de justiça. As causas de vulnerabilidade incluem idade, incapacidade, pertencimento a comunidades indígenas ou minorias, vitimização, migração, pobreza, gênero e privação de liberdade.
As Regras são destinadas a diversos atores do sistema de justiça, incluindo responsáveis por políticas públicas, juízes, promotores, defensores públicos, procuradores, advogados, instituições de Ombudsman, polícias e serviços penais, e, em geral, todos os operadores do sistema judicial.
Sobre assistência jurídica e a Defensoria Pública, as Regras de Brasília destacam a relevância da assessoria técnico-jurídica para a efetividade dos direitos das pessoas em condição de vulnerabilidade, abrangendo consulta jurídica, defesa em todas as jurisdições e instâncias, e assistência letrada ao detido. Ressalta-se a conveniência de promover políticas públicas para garantir a assistência técnico-jurídica de qualidade e especializada, gratuitamente para aqueles que não podem arcar com os custos. As Regras também abordam o direito a intérprete e a necessidade de revisar procedimentos e requisitos processuais para facilitar o acesso à justiça.
9. Jurisprudência do Sistema Interamericano e Garantias Processuais
Os artigos 8 e 25 da CADH, que tratam das garantias judiciais e da proteção judicial, respectivamente, possuem vasta jurisprudência na Corte IDH, sendo frequente a violação dessas garantias em conjunto com outros direitos.
O artigo 8 assegura o direito de toda pessoa de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, tanto na apuração de acusações penais quanto na determinação de direitos e obrigações de outras naturezas.
Garante também a presunção de inocência, o direito à assistência gratuita de tradutor ou intérprete, a comunicação prévia e detalhada da acusação, a concessão de tempo e meios adequados para defesa, o direito de defender-se pessoalmente ou com defensor de sua escolha, o direito irrenunciável à assistência de defensor público se não nomear um, o direito da defesa de inquirir testemunhas e obter o comparecimento de outras que possam esclarecer os fatos, o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo ou declarar-se culpado, e o direito de recorrer da sentença.
O artigo 25 garante a toda pessoa o direito a um recurso simples e rápido ou qualquer outro recurso efetivo perante juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela Convenção, mesmo quando a violação seja cometida por pessoas atuando no exercício de suas funções oficiais. Os Estados Partes se comprometem a assegurar que a autoridade competente decida sobre os direitos de quem interpuser tal recurso, a desenvolver as possibilidades de recurso judicial e a assegurar o cumprimento das decisões que considerem o recurso procedente.
A jurisprudência da Corte IDH tem desenvolvido parâmetros importantes sobre o dever de investigar atos de tortura, a exclusão de provas obtidas mediante coação e a competência da jurisdição penal militar sobre certos atos. A Corte tem estabelecido que provas obtidas por meio de tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes são inválidas e devem ser excluídas do processo judicial, assim como as evidências delas derivadas.
A Corte IDH também tem estendido o dever de compatibilizar as normas domésticas às normas internacionais e à interpretação realizada pela Corte a todos os juízes e órgãos vinculados à administração da justiça em todos os níveis, realizando o controle de convencionalidade.
A Corte tem começado a definir as garantias pré-processuais, presentes desde que uma pessoa é apontada como possível autora de um delito, visando diminuir a violência estrutural do sistema judiciário. Os direitos pré-processuais incluem a proteção do direito de acesso à justiça, garantindo que os indivíduos obtenham informações e orientação sobre os caminhos institucionais para a resolução de conflitos, bem como a disponibilidade de mecanismos alternativos ao processo judicial.
10. Liberdade de Expressão no Sistema Interamericano
O artigo 13 da CADH consagra o direito à liberdade de pensamento e de expressão, abrangendo a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, por qualquer meio de escolha, sem censura prévia, mas sujeito a responsabilidades ulteriores expressamente previstas em lei e necessárias para assegurar o respeito aos direitos e à reputação de outrem ou a proteção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou da moral públicas.
A Convenção também proíbe restrições indiretas à liberdade de expressão e toda propaganda a favor da guerra ou apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade, crime ou violência. A Declaração Americana e a Carta Democrática Interamericana também reconhecem o valor da liberdade de expressão.
A CIDH criou a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão em 1997, com caráter permanente e independente, visando estimular a defesa continental desse direito, fundamental para a consolidação e desenvolvimento democrático e para a proteção dos demais direitos humanos. A Relatoria elabora relatórios anuais, sistematiza boas práticas e desafios, elabora estudos teóricos, difunde doutrina e jurisprudência e formula recomendações aos Estados.
A questão do crime de desacato envolvendo funcionários públicos tem gerado debates sobre sua compatibilidade com a liberdade de expressão. Embora inicialmente o STJ tenha decidido pela incompatibilidade em razão do controle de convencionalidade com a CADH, o entendimento mais recente e prevalecente da Terceira Seção do STJ é que o crime de desacato permanece legalmente tipificado no ordenamento brasileiro como uma proteção adicional ao agente público contra ofensas sem limites, desde que a manifestação ocorra com civilidade e educação.
O STF, na ADPF 496, considerou que a norma do artigo 331 do Código Penal, que tipifica o desacato, foi recepcionada pela Constituição de 1988. A Corte Interamericana tem admitido que o direito penal pode responder a eventuais excessos na liberdade de expressão.
A Corte IDH, na Opinião Consultiva OC-5/85, diferenciou a dimensão individual da liberdade de expressão (direito de difundir o pensamento por qualquer meio) e sua dimensão social (meio para o intercâmbio de ideias e informações, abrangendo o direito de comunicar e o direito de conhecer opiniões e notícias), ambas de igual importância. Na mesma Opinião Consultiva, a Corte declarou que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício do jornalismo viola o artigo 13 da CADH, entendimento corroborado pela OEA e pelo STF.
No Caso Fontevecchia e outros vs. Argentina, a Corte IDH estabeleceu que informações de interesse público, mesmo que relacionadas à vida privada de figuras públicas (como um Presidente da Nação), gozam de maior proteção, e a imposição de responsabilidade ulterior deve cumprir o requisito de ser necessária em uma sociedade democrática. A proteção da honra de funcionários públicos é menor, pois estão sujeitos a maior escrutínio público, exigindo-se maior tolerância com as críticas.
A liberdade de expressão não é um direito absoluto, e o artigo 13.2 da Convenção permite responsabilidades ulteriores por seu exercício abusivo, desde que previamente fixadas por lei, respondam a um objetivo permitido pela Convenção e sejam necessárias em uma sociedade democrática (idoneidade, necessidade e proporcionalidade). O direito de resposta, previsto no artigo 14 da CADH, também é uma restrição permitida à liberdade de expressão.
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