1. Sociedades Dependentes de Autorização
A necessidade de autorização para o funcionamento de sociedades no Brasil está intrinsecamente ligada ao conceito de nacionalidade societária. A Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso I, adota o princípio da soberania nacional como um dos princípios gerais da atividade econômica.
A nacionalidade da sociedade é distinta da nacionalidade dos sócios. Uma sociedade pode ser considerada nacional mesmo que todos os seus sócios sejam estrangeiros, e vice-versa. Da mesma forma, a origem do capital e o destino da remessa de lucros não afetam a nacionalidade da sociedade.
A relevância da nacionalidade da sociedade reside em duas principais
diferenças no regime jurídico empresarial para aqueles que atuam em território
nacional:
Os requisitos cumulativos para que uma sociedade seja considerada nacional são:
A sociedade estrangeira é definida no artigo 1134 do Código Civil como aquela que não atende aos requisitos da sociedade nacional, seja por ter sua sede fora do país, seja por ter sido constituída sob a lei de outro país.
Existem dois segmentos específicos onde a nacionalidade dos sócios é um requisito para atuação no Brasil:
A alteração da nacionalidade de uma sociedade só é possível com a unanimidade dos sócios (art. 1127, CC). O Poder Executivo pode negar a autorização para funcionamento de sociedade estrangeira. Em caso de judicialização, o Poder Judiciário pode analisar os requisitos objetivos (econômicos, financeiros ou legais), mas não o mérito da decisão (interesse nacional), que é discricionário do Poder Executivo.
A liberdade da iniciativa privada é um princípio constitucional (art. 1º, IV, CF), mas não é absoluto, encontrando restrições no princípio da Soberania Nacional (art. 170, I, CF). Além de sociedades estrangeiras, dependem de autorização:
A autorização pode ser cassada em caso de infração a disposições de ordem pública ou prática de atos contrários aos fins declarados no estatuto social. A cassação tem caráter de punição.
2. Reorganizações Societárias
As reorganizações societárias são operações empresariais que visam atribuir uma nova estrutura para o desenvolvimento econômico da empresa. Podem implicar tanto em atos de concentração econômica (diminuição dos centros de poder e decisão) quanto de desconcentração econômica (caminho inverso).
O artigo 90 da Lei nº 12.529/11 define ato de concentração quando:
As principais formas de reorganização societária são:
2.1. Legislação Aplicável
Existe uma dualidade de legislações sobre o tema:
Código Civil (arts. 1113 a 1122).
O entendimento dominante para fins de ENAM é que:
Assim, as reorganizações de sociedades limitadas são, em regra, regidas pelo Código Civil, enquanto as de sociedades anônimas são regidas pela Lei das S/A. Uma particularidade é que o Código Civil não regulamentou a cisão, sendo necessário recorrer à Lei das S/A nessa matéria para qualquer tipo societário. Por outro lado, a Lei das S/A não regulamentou o processo judicial de anulação dos atos de cisão, previsto no art. 1122 do Código Civil, que se aplica a todos os tipos societários.
2.2. Transformação
A transformação é a modificação do tipo jurídico da sociedade para o desenvolvimento de suas atividades, sem a necessidade de extinção e nova constituição. A pessoa jurídica passa a estar submetida a outro tipo societário, independentemente de dissolução ou liquidação.
Não se confundem com transformação:
Inicialmente, a transformação ocorria apenas entre tipos societários, mas a Lei Complementar nº 128/08 passou a admitir a transformação de empresário individual para sociedade (com a admissão de sócios) e vice-versa.
Apenas sociedades com personalidade jurídica podem ser transformadas. Sociedades em comum e em conta de participação não podem ser objeto de transformação.
A aprovação da transformação geralmente requer o consenso unânime dos sócios, pois impacta na responsabilidade patrimonial. Contudo, o quórum pode ser alterado por previsão expressa no ato constitutivo da sociedade a ser transformada. Para as sociedades em geral, com previsão no ato constitutivo, o quórum pode cair para a maioria do capital (CC) ou do total de votos (Lei das S/A). Na sociedade limitada, o quórum permanece qualificado, caindo da unanimidade para 3/4 do capital social.
Decidida a transformação, os sócios dissidentes têm direito de retirada. No entanto, para sociedades regulamentadas pelo Código Civil e para sociedades anônimas (com previsão no ato constitutivo), é possível renunciar ao direito de retirada em caso de transformação, configurando a chamada “sociedade piloto” ou “sociedade trampolim“. Esta é constituída com o propósito exclusivo de ser transformada, prevendo a possibilidade de transformação e a renúncia ao direito de retirada no ato constitutivo.
A transformação não pode prejudicar os direitos dos credores. Os sócios
continuam respondendo pelas obrigações anteriores à transformação de acordo com o
tipo societário anterior. A falência da sociedade transformada produzirá efeitos apenas em relação aos sócios que poderiam ser declarados falidos no tipo anterior, mediante requerimento de credores com créditos anteriores à transformação (art. 1115, parágrafo único, CC c/c art. 222, parágrafo único, Lei nº 6.404/76).
2.3. Incorporação
Na incorporação, uma ou mais sociedades (incorporadas) são absorvidas por outra (incorporadora), que lhes sucede em direitos e obrigações. É um ato de concentração econômica. A incorporação implica um aumento de capital social da incorporadora, refletindo a participação dos sócios da incorporada.
Em regra, as sociedades envolvidas podem ser de tipos societários distintos, com duas exceções:
2.4. Fusão
Na fusão, duas ou mais sociedades (fundidas) são extintas para criar uma nova sociedade (fusionada), que lhes sucede em direitos e obrigações. Também é um exemplo de concentração econômica.
Assim como na incorporação, as sociedades fundidas e a fusionada não precisam ser do mesmo tipo jurídico, com as mesmas exceções para cooperativas e companhias com diferentes regimes de voto plural.
2.5. Cisão
A cisão é a operação pela qual uma sociedade tem seu patrimônio dividido para constituir novas sociedades ou para incorporação em sociedades já existentes, podendo ou não a sociedade cindida continuar a existir.
Classificações da cisão:
Quanto à sociedade cindida:
Quanto à sociedade receptora:
Quanto ao vínculo societário:
Na Lei nº 5.764/71 (cooperativas), o termo utilizado é “desmembramento“, com a diferença de que, na cisão em geral, uma S/A pode ser cindida e dar origem a Limitadas, enquanto no desmembramento cooperativas só podem ser divididas para constituir novas cooperativas.
2.6. Direito de Retirada
Os atos de reorganização societária, em regra, conferem ao sócio dissidente o direito de retirada, recebendo a apuração de seus haveres conforme a cota integralizada.
Na sociedade anônima, o acionista precisa provar que não conseguiu vender suas ações (ausência de liquidez e dispersão no mercado) para exercer o direito de retirada.
Na sociedade limitada, a lei não menciona o direito de retirada na cisão, mas a saída de sócios é possível, pois o sócio tem direito a recesso. Nas companhias, o direito de retirada na cisão ocorre se esta implicar (art. 137, III, Lei nº 6.404/76):
Não se confundem direito de retirada (justo motivo legal) e direito de recesso
(direito de “pedir para sair” sem necessidade de motivo).
2.7. Direito dos Credores
No plano das sociedades regulamentadas pelo Código Civil (ex: Limitada), os credores prejudicados por fusão, incorporação ou cisão têm 90 dias para pleitear a anulação judicial da reorganização. A consignação em pagamento leva à improcedência da ação anulatória. Se a dívida for ilíquida, é possível garantir seu adimplemento, suspendendo o processo de anulação se o juiz considerar a garantia suficiente. Se ocorrer a falência da incorporadora, fusionada ou cindida dentro de 90 dias, qualquer credor anterior pode requerer a separação de patrimônios (art. 1122, CC).
No plano das sociedades anônimas (art. 232, Lei nº 6.404/76), o prazo para anulação judicial é de 60 dias. A sistemática é semelhante à do Código Civil. Contudo, o art. 233 da Lei das S/A estabelece que na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio respondem solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio respondem solidariamente pelas obrigações anteriores à cisão.
Na cisão parcial, o ato pode estipular que as sociedades receptoras respondam apenas pelas obrigações transferidas, sem solidariedade, mas qualquer credor anterior pode se opor à estipulação em relação ao seu crédito, notificando a sociedade em 90 dias da publicação dos atos da cisão (art. 233, parágrafo único, Lei nº 6.404/76).
Para Memorizar:
3. Desconsideração da Personalidade Jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica (disregard of the legal entity, teoria da penetração ou superação) visa, em casos específicos, ignorar a separação entre o patrimônio da sociedade e o de seus sócios/administradores. Tem origem nos direitos americano e inglês, sendo introduzida no Brasil por Rubens Requião.
Não se confunde com despersonalização, desconstituição ou dissolução da pessoa jurídica, onde o objetivo é extinguir a sociedade. A desconsideração busca preservar a personalidade jurídica, protegendo-a do uso abusivo por sócios e/ou administradores que se beneficiam desse mau uso.
Definição: Retirada episódica e momentânea dos efeitos da personificação societária para alcançar a personalidade e/ou o patrimônio de sócios e/ou administradores que se beneficiaram da utilização abusiva da pessoa jurídica. Ocorre nos limites do caso concreto.
3.1. Requisitos (art. 50, CC)
A desconsideração da personalidade jurídica foi positivada no Brasil pelo Código
Civil de 2002 (art. 50).
Considerações preliminares:
Requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica:
3.2. Modalidades
A jurisprudência catalogou diversas modalidades de desconsideração da personalidade jurídica.
3.3. Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica
O procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica está disciplinado nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil. Trata-se de um incidente processual, e não de um procedimento especial (conforme jurisprudência do STJ).
O incidente é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no
cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial (art.
134, CPC) e, por imposição legal, suspende o processo. Se a desconsideração for pleiteada na petição inicial, a instauração do incidente e a suspensão do processo são dispensadas.
Para disputas empresariais, os “pressupostos previstos em lei” (art. 133, §1º, CPC) referem-se ao art. 50 do Código Civil e seus parágrafos. Em matéria consumerista, referem-se ao art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.
4. Operações Societárias
No decorrer de sua existência, uma sociedade pode se envolver em diversas relações com outras sociedades, desde contratuais (colaboração) até societárias, visando atuação mais eficiente.
4.1. Participação
Na relação de participação, uma sociedade (investidora) é membro do quadro societário de outra (investida), figurando como sócia. O percentual de participação influencia a natureza da relação.
Essas relações possuem duplo regramento jurídico:
4.1.1. Coligação
A definição de coligação varia conforme a legislação.
4.1.2. Controle
Na relação de controle, a sociedade investidora é a controladora e a investida é a controlada. A controladora exerce o poder de controle sobre a controlada.
A sociedade tem controle sobre outra quando possui participação no capital social que assegure cumulativamente (art. 1098, CC c/c art. 243, §2º, Lei nº 6.404/76):
Corresponde ao conceito de acionista controlador (art. 116, Lei nº 6.404/76), aplicável à sociedade investidora que assume esse poder. O controlador pode ser pessoa jurídica ou grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto ou sob controle comum. O controlador não precisa ser o majoritário; é quem efetivamente exerce o poder de controle.
Classificação do controle:
Coligação e controle são consideradas relações de participação relevante, essenciais para a compreensão da relação de holding e grupos de sociedade.
4.1.3. Simples Participação
A relação é de simples participação quando a investidora detém até 10% do capital social da investida (art. 1000, CC) ou, no caso de companhias, do total de votos (considerando a existência de voto plural ou não). As relações de coligação e controle são consideradas relevantes.
As sociedades contratuais possuem classificação completa das relações de participação, o que não ocorre integralmente nas relações envolvendo sociedades anônimas (falta classificação específica para investidora com 10% a 20% dos votos sem influência significativa).
4.1.4. Participação Recíproca
A participação recíproca ocorre quando a investidora participa no capital da investida e vice-versa. Em regra, é vedada pelo ordenamento jurídico (art. 1101, CC c/c art. 244, Lei nº 6.404/76).
A vedação visa evitar a criação de capital social “espelho”, sem efetividade e intangibilidade, diminuindo a garantia dos credores. Excepcionalmente, é permitida sem prejuízo ao capital social (ex: utilizando reservas). Se superar as reservas, a sociedade não poderá votar com as quotas/ações em excesso, que devem ser alienadas em até 180 dias.
A vedação não se aplica quando a legislação permite a negociação da sociedade com suas próprias quotas/ações. Se a participação recíproca decorrer de reorganização societária, deve ser eliminada em 1 ano (havendo controle). Em caso de coligação, as ações/quotas da aquisição mais recente (ou de menor porcentagem, se mesma data) devem ser alienadas.
4.1.5. Holding
Considera-se holding a sociedade que participa em mais de uma sociedade, seja para realizar o objeto social, seja para se beneficiar de incentivos fiscais (art. 2º, §3º, Lei nº 6.404/76). A participação deve ser relevante (coligação ou controle), visando a formação de grupos econômicos.
Para ser holding, deve haver relação entre pelo menos três sociedades (uma investidora com participação relevante em duas outras). Com apenas duas sociedades, haverá simples participação, coligação, controle ou subsidiária integral.
Classificação da holding:
Atualmente, tanto sociedades anônimas quanto limitadas podem atuar como holding (sociedades de participações).
4.1.6. Subsidiária Integral
Exemplo mais antigo de sociedade unipessoal no Brasil (art. 251, Lei nº 6.404/76). Outros exemplos atuais são a sociedade unipessoal de advocacia e a sociedade limitada unipessoal.
Subsidiária integral é uma sociedade anônima com um único acionista, necessariamente pessoa jurídica nacional. A unipessoalidade pode ser originária (companhia já surge unipessoal) ou derivada (aquisição de todas as ações ou incorporação de ações).
Exemplo: Z S/A (subsidiária integral) tem como única sócia X LTDA, que detém 100% do capital social.
4.2. Grupos de Sociedade
Regulamentados a partir do art. 265 da Lei nº 6.404/76, mas aplicáveis a grupos de qualquer tipo societário. A lei prevê a necessidade de sociedade de comando (não essencial).
Caracterizam-se por uma direção/administração única e geral que conduz cada sociedade. É a existência dessa administração geral (instância superior) que configura a atuação em grupo.
4.2.1. Classificação
Quanto à formalização:
Quanto à estrutura:
4.2.2. Responsabilidade
O registro do grupo na Junta Comercial não lhe confere personalidade jurídica. Cada sociedade mantém patrimônio distinto e autonomia. Em regra, não há responsabilidade de uma sociedade por outra. Contudo, existem exceções de responsabilidade solidária e subsidiária entre as sociedades do grupo econômico.
4.3. Consórcio Societário
Reunião de duas ou mais sociedades para um empreendimento certo e determinado. O consórcio se desfaz após a conclusão do empreendimento. Difere do grupo, que visa atuação contínua.
4.3.1. Classificação
Quanto à formalização:
FLASHCARDS
QUESTÕES (Certo ou Errado)
QUESTÕES
(Gabarito comentado)
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